segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Por trás da beleza dos fogos de artifício


Por Marinês Eiterer em 31/12/2013 na edição 779
Por séculos, as exibições pirotécnicas têm sido o ponto alto de celebrações realizadas em diferentes partes do mundo. A festa da passagem de ano na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, na noite desta terça-feira (31/12), deverá ser presenciada por 2,3 milhões de pessoas (ver matéria “Palcos do Réveillon de Copacabana recebem equipamentos; veja atrações“, publicada no portal G1, em 28/12). O grande clímax será o show de pirotecnia, envolvendo 24 toneladas de fogos de artifícios, distribuídos em 11 balsas por toda a orla, com uma duração estimada em 16 minutos. (A única coisa que poderia evitar isso, ao que parece, seria uma chuva forte.)



A festa adiciona 614 milhões de dólares (cerca de R$ 1,4 bilhão) à economia da cidade. Este ano, ironicamente, o tema será o filme de animação “Rio 2” (ver aqui), dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, cujos personagens centrais são um casal de ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii). Outras cidades do país também realizam shows de pirotecnia na passagem de ano, como é o caso de Belo Horizonte, Fortaleza, Recife e São Paulo (ver o verbete “Ano-Novo“, na Wikipedia). Isso tudo, claro, sem falar de inúmeros brasileiros que gostam de soltar seus próprios rojões. É barulho pra todo lado.



Pirotecnia mortal
Uma exibição de pirotecnia é considerada uma perturbação antropogênica e seus impactos sobre a vida selvagem representam uma justificada preocupação em termos de biologia da conservação. Para as pessoas que presenciam ou assistem pela TV, a pirotecnia é comumente vista como um grande e belo espetáculo.


Cabe registrar, no entanto, que o barulho alto e repentino e as luzes brilhantes produzidos pelos fogos de artifício são uma fonte de estresse para muitos animais, tanto domésticos como selvagens. Um exemplo familiar é comumente presenciado por quem tem um cão. Os animais ficam muito agitados com o barulho, tentando se esconder; muitos latem, uivam ou até mesmo urinam. Estudos têm comprovado o que os tutores desses aniamis já sabiam: fogos de artifício representam uma experiência traumática para os cães.



A repentina mortandade de milhares de pássaros-pretos-da-asa-vermelha (Agelaius phoeniceus; “red-winged blackbirds”, em inglês), na pequena cidade de Beebe, no estado de Arkansas (Estados Unidos), na véspera da passagem de ano, em 2010, atraiu a atenção da mídia (ver as matérias “For Arkansas blackbirds, the New Year never came“, de Campbell Robertson, publicada no The New York Times, em 3/1/2011; e “Fogo-de-artifício terá causado pânico e morte a milhares de aves no Arkansas“, de Helena Geraldes, publicada no Público, em 4/1/2011).


Imagens de radar mostraram que, naquela noite, grupos numerosos de aves deixaram os seus poleiros no meio de uma noite chuvosa. Fogos de artifício assustaram e desorientaram as aves, muitas das quais morreram ao se chocar violentamente contra obstáculos. Sem essa repentina perturbação, elas provavelmente teriam permanecido em seus poleiros noturnos.



Na Holanda, usando um radar meteorológico, um estudo quantificou a reação das aves aos fogos de artifício durante a passagem do ano, em três anos consecutivos (ver aqui; para detalhes técnicos, ver SHAMOUN-BARANES et al. 2011). Milhares de aves saíram em dabandada pouco depois da meia-noite. Os bandos mais numerosos foram observados em áreas de pastagens e locais úmidos, incluindo áreas protegidas, onde milhares de aves aquáticas habitualmente descansam e se alimentam. Perturbações provocadas durante a época reprodutiva podem levar ao abandono de ninhos, deixando ovos e filhotes desprotegidos; isso eleva as taxas de mortalidade e contribui para uma redução nos efetivos populacionais.



Quem sabe, um dia…
Procurei aqui salientar o impacto dos fogos de artifício sobre as aves, mas outros animais, como baleias e peixes, também sofrem com esse mesmo tipo de perturbação. Isso para não falar nos impactos negativos sobre a saúde da população humana, incluindo poluição do ar, lesões físicas, auditivas, visuais e traumas.



Em alguns países, esses impactos já vêm sendo discutidos. Em função disso, pode-se pensar em locais mais apropriados para a realização dessas festas, assim como em uma redução na quantidade de fogos de artifício que são utilizados. Quem sabe, um dia, essa discussão chega até nós. E aí, então, poderemos nos dar conta da amplitude dos impactos negativos que as nossas “maravilhosas” festas de pirotecnia têm tido sobre a vida selvagem.


Feliz Ano Novo!


Referência citada
SHAMOUN-BARANES, J. & outros 5 coautores. 2011. Birds flee en mass from New Year’s Eve fireworks. Behavioral Ecology 22: 1173-7.
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Marinês Eiterer é bióloga, idealizadora e responsável pelo blogue “Aves de Viçosa

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