terça-feira, 23 de agosto de 2016

O preço do legado do Parque Olímpico da Barra


Assim que a Olimpíada acabar, o município do Rio de Janeiro terá uma conta de pelo menos R$ 1,3 bilhão a pagar para manter as instalações usadas no coração do evento

RODRIGO CAPELO
04/08/2016 - 18h00 - Atualizado 04/08/2016 18h50 
 
O cidadão já sabe quanto custou a construção das instalações esportivas da Olimpíada do Rio de Janeiro – R$ 7 bilhões, segundo a quarta e última atualização da matriz de responsabilidades feita pela Autoridade Pública Olímpica (APO). Mas a conta não termina aí. Assim como o brasileiro ainda paga a Copa do Mundo, por causa da manutenção dos estádios usados pela Fifa, o carioca ainda vai pagar por muito tempo pelos equipamentos deixados pelos Jogos Olímpicos. Só o Parque Olímpico da Barra, o coração do evento, vai custar pelo menos R$ 1,3 bilhão até 2041 para a prefeitura.
Há mais de um legado em eventos como a Olimpíada. A mobilidade urbana, o ambiental. Aqui nos concentramos apenas no esportivo.


A prefeitura do Rio dividiu o legado do Parque Olímpico em dois pacotes. O primeiro tem tudo o que vai dar dinheiro – edifícios comerciais e residenciais serão construídos em 40% da área, valorizada pela nova infraestrutura e pelo acesso facilitado pelo novo BRT (corredores exclusivos de ônibus). O segundo tem tudo o que só gera gasto: a Via Olímpica, o Live Site (um gramado circular à beira da lagoa) e as arenas olímpicas. A ideia do prefeito Eduardo Paes (PMDB) era privatizar os dois pacotes para consórcios.


Parque Olímpico da Barra, no Rio de Janeiro (Foto: Miriam Jeske / Rio2016.gov.br)


A primeira privatização atraiu interesse. Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken formaram o consórcio Rio Mais, participaram da licitação e assinaram o contrato em abril de 2012. O consórcio foi o único a concorrer. Na construção, a prefeitura cedeu terrenos avaliados em R$ 850 milhões e investiu R$ 385 milhões nas obras das instalações esportivas para os Jogos.


As empreiteiras tomaram R$ 1,4 bilhão emprestados com a Caixa e tocaram a construção. Assim que os Jogos acabarem, o município colocará mais R$ 150 milhões para ajudar na manutenção. As construtoras fazem dinheiro com os empreendimentos imobiliários por 15 anos, pagam gastos e tentam lucrar tanto quanto puderem por 15 anos.


A segunda privatização ainda não saiu. O edital dela foi lançado só em julho de 2016. Nela, a prefeitura é mais generosa. Ela calcula que as instalações esportivas – o Velódromo, o Centro Olímpico de Tênis, a Via Olímpica, o Live Site e as Arenas Cariocas 1, 2 e 3 – custarão em média R$ 37,2 milhões em cada um dos próximos 25 anos.



Eduardo Paes quer que um parceiro privado assuma a operação desse segundo pacote, mas, ciente de que o interesse por ele é menor, promete bancar a maior parte dos custos com dinheiro público – R$ 32,8 milhões anuais. Isso blinda uma eventual concessionária contra prejuízos, como os registrados por todos os estádios públicos da Copa. O resultado da concorrência ainda não saiu. O processo estava previsto para ser concluído nesta sexta-feira (4), mas a prefeitura o adiou porque o edital ainda passa por análise do Tribunal de Contas do Município (TCM-RJ).


O plano de negócios montado pela prefeitura prevê que a concessionária desse segundo pacote arrecadará, no período da concessão, cerca de R$ 30 milhões por ano com as instalações esportivas. O dinheiro viria de naming rights (o direito de rebatizar um equipamento esportivo com uma marca), patrocínios e bilheterias. A julgar pelos resultados das arenas da Copa, inferiores aos projetados por órgãos públicos e privados em todas as praças, é prudente não supor que arenas olímpicas vão gerar tanta receita.

>> A Copa não acabou


A licitação desse segundo pacote ainda embute uma série de custos para a prefeitura. A Arena do Futuro, casa do handebol durante a Olimpíada, será desmontada após o evento e seus materiais serão reutilizados na construção de duas escolas. Reutilizar material é bom, mas sai caro. O custo para o setor público é de R$ 80 milhões para demolir e R$ 106 milhões para reconstruir. O Estádio Aquático vai na mesma linha. A prefeitura quer pagar R$ 107 milhões para desmontá-lo e mais R$ 39 milhões para construir piscinas olímpicas noutro lugar. A desmontagem de galerias técnicas do Centro Principal de Imprensa (IBC, na sigla em inglês) custa R$ 11 milhões.


No legado esportivo da Olimpíada – lembramos que ainda há legados em mobilidade e meio ambiente a serem considerados numa análise mais ampla –, o planejamento da prefeitura tornou o prejuízo inevitável. Uma solução seria vender e montar pacotes que unissem propriedades rentáveis (os empreendimentos imobiliários) e outras apenas geradoras de custo (as instalações esportivas) – o comprador levaria o suco e o bagaço da laranja. Paes deixou o suco para as construtoras, e ninguém quis o bagaço. Ficou para o cidadão.


Na hipótese de a prefeitura conseguir alguém que assuma o bagaço, a soma a ser desembolsada pelo cidadão é de R$ 1,3 bilhão em 25 anos – sem contar a inflação. Se ninguém aparecer e a prefeitura assumir as despesas, o valor a ser gasto com a Olimpíada até 2041 é de, no mínimo, R$ 1,4 bilhão. Isso se os valores calculados pelo estafe do prefeito no plano de negócios do Parque Olímpico, um documento que faz parte da licitação, não estiverem subestimados. Se a projeção da prefeitura estiver equivocada, a conta ficará mais cara.


Paes foi procurado por ÉPOCA por três semanas para se posicionar a respeito do legado da Olimpíada, mas não deu retorno.

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