quarta-feira, 10 de agosto de 2016

'O homem das plantinhas': a história do morador que se dedica a reflorestar as favelas do RJ

8/08/2016 10h35 - Atualizado em 08/08/2016 10h35


Há mais de três décadas, em um trabalho praticamente solitário, Jocelino Porto, de 70 anos, vem produzindo milhares de mudas para recompor o que foi desmatado em comunidades pobres da cidade.

Luis BarruchoDa BBC Brasil em Londres
Jocelino Porto promove oficina de educação ambiental para crianças (Foto: Jocelino Porto)Jocelino Porto promove oficina de educação ambiental para crianças (Foto: Jocelino Porto)
 
Todos os dias, Jocelino Porto, de 70 anos, segue a mesma rotina: acorda às 5h da manhã, toma um banho gelado e dedica-se a cuidar de centenas de mudas de plantas que, cultivadas em pequenos copos plásticos, se amontoam em sua casa na favela de Rocha Miranda, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Pouco depois, começa a receber seguidos telefonemas. São pessoas em busca de pés de graviola, pitanga e goiaba, entre os mais de 70 mil já produzidos por esse paraibano com sotaque carioca.

Há mais de três décadas, em um trabalho praticamente solitário, Porto dedica-se a reflorestar as favelas da capital fluminense. Tamanho empenho lhe valeu o apelido de 'homem das plantinhas', como é conhecido aonde chega.

"Meu sonho é ver as favelas de novo cobertas pelo verde. Sempre gostei de mexer com plantas e espero poder conscientizar cada vez mais pessoas sobre a importância da preservação da natureza", diz ele.

Articulador social da ONG Viva Rio, onde trabalha desde 2010, Porto deu o seguinte depoimento à BBC Brasil:

"Nasci em Campina Grande, na Paraíba. Mas, quando tinha dois anos, meu pai decidiu se mudar com toda a família - eu, minha mãe e meus nove irmãos ─ para São Paulo, em busca de uma vida melhor. Pouco tempo depois, pegamos a estrada novamente, dessa vez rumo ao Rio de Janeiro, onde vivo até hoje.

Não tive uma infância feliz. Mas só me dei conta disso mais tarde, depois de velho. Trabalhei desde muito cedo. Éramos muito pobres e sempre moramos em favela. Um dia, quando tinha cerca de dez anos, meu pai me chamou para uma conversa e me disse desesperado que não aguentava mais. Tive de parar de estudar para ajudá-lo a pagar as contas. Era isso ou passaríamos fome.

Sempre gostei de plantas. Desde muito cedo, aprendi a cuidar delas. Trata-se de um trabalho minucioso, que leva em conta um sem número de variáveis: água, temperatura, exposição ao sol são algumas delas.

Cultivo as mudas em minha casa, na favela de Rocha Miranda, na zona norte do Rio de Janeiro. Não tenho muito espaço, mas o suficiente para abrigar cerca de 300 pés de diferentes árvores.


Em ocasiões especiais, contudo, esse número pode chegar a até 2 mil, como no Dia Internacional do Meio Ambiente, em junho, quando costumo fazer uma grande campanha. Isso sem falar no adubo, que produzo aqui mesmo, com os restos de alimentos.
Coloco as sementes em um copinho plástico e espero germinar. Assim que começam a crescer, sei que é hora de doá-las.
Porto já produziu mais de 72 mil mudas (Foto: Jocelino Porto)Porto já produziu mais de 72 mil mudas (Foto: Jocelino Porto)
'Homem das plantinhas'
 
Ganhei o apelido de 'homem das plantinhas' por causa do meu trabalho no reflorestamento das favelas. O que começou como um passatempo é hoje a minha razão de viver. Desde a década de 90, segundo meus próprios cálculos, já produzi mais de 72 mil mudas.
Não vou negar que se trata às vezes de um trabalho solitário. Mas é recompensador ver a felicidade das pessoas quando a árvore que plantei vira referência dentro de uma favela e promove união.

Aqui perto de casa, por exemplo, plantei um pé de erva cidreira. Todos os dias vejo pessoas quebrando os galhos para fazer chá. A grande maioria não tem dinheiro para comprar remédio e usa o chá para curar resfriados e tratar outras indisposições.

Minha intenção é ver as favelas de novo cobertas pelo verde. As favelas hoje são áridas e mal-cuidadas. Somos carentes de tudo e vivemos em uma guerra interminável. Quem mais perde com isso são os moradores.

Diante de tanto sofrimento, sinto que tenho de fazer a minha parte. E vi na natureza uma forma de reaproximar a comunidade ─ ganhei o respeito dos moradores, dos traficantes e também dos policiais.

Em 1992, fui um dos fundadores do NEPP (Núcleo Ecológico de Pedras Preciosas), onde desenvolvi um importante trabalho de educação ambiental nas favelas do Rio. A NEPP acabou virando uma referência e um dos frutos do nosso trabalho foi a redução do consumo de água dentro das favelas, além da formação de 200 agentes ambientais.

Quatro anos depois, criei uma escolinha ecológica para crianças de sete a 11 anos. Participei também da criação da Eco Favela e fui fundador do Movimento Ecológico de Rocha Miranda.
Tenho por companhia inseparável minha pequena câmera por meio da qual denuncio principalmente locais com acúmulo de lixo. São mais de 10 mil fotos reveladas, compiladas em um arquivo que reúne 36 volumes de catálogos, registros de meus serviços prestados à comunidade ao longo da vida.

Orgulho
Mas, sem dúvida, um dos meus maiores orgulhos é ver a reação das crianças ao meu trabalho.

Lembro-me até hoje da campanha que fizemos na Cinelândia, no centro do Rio, em 1997. Timidamente, oferecemos uma muda de planta em troca de 1 kg de alimento. Foi um sucesso. Em pouco tempo, as 300 mudas que havia trazido acabaram.

Em outra ocasião, recentemente, na favela da Maré, realizei uma oficina voltada para o público infantil. No início, as crianças não queriam sujar as mãos na terra. Mas logo que a primeira começou a transferir as mudas para o copinho plástico, todas ficaram entusiasmadas e quiseram participar.

Sem dúvida, as crianças dão muito mais valor ao meu trabalho do que as autoridades. Todos os secretários de meio ambiente do Rio já estiveram na minha casa e fizeram promessas. Nenhuma foi cumprida.

Tenho poucas ambições na vida, mas espero que meu legado sirva para conscientizar a todos sobre a importância da preservação da natureza. É uma luta diária que não pode parar."

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