sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Sociedade civil repudia redução de unidades de conservação no Amazonas


23.02.2017Notícias
Vinte e uma organizações da sociedade civil, entre elas o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) divulgam nesta semana uma carta de repúdio contra proposta do governo federal que visa a reduzir unidades de conservação no Amazonas.


O governo pretende encaminhar ao Congresso uma proposta para extinguir a Área de Proteção Ambiental (APA) de Campos de Manicoré e reduzir drasticamente outras quatro unidades de conservação no estado: o Parque Nacional (Parna) de Acari, a Reserva Biológica (Rebio) de Manicoré, e as Florestas Nacionais (Flonas) de Urupadi e Aripuanã, na região de Apuí, no sul do estado.


A proposta excluiria da proteção legal mais de 1 milhão de hectares e colocaria em risco a biodiversidade amazônica, as metas e compromissos climáticos assumidos domesticamente e internacionalmente, e a segurança hídrica e econômica do país, já que a Amazônia fornece água suficiente para abastecer grande parte da população brasileira e o agronegócio.


Sonia Guajajara: “A pesquisa enxergou o potencial do conhecimento tradicional”

06.02.2017Notícias Soninha tem esse apelido por um motivo óbvio: tem 1,52 metro de altura. Mas ela deveria ser chamada de gigante. Sonia Bone Guajajara, 42 anos, é uma das principais lideranças indígenas do Brasil: quando fala e marcha ao lado dos parentes, assume o tamanho de todos os milhares de indígenas brasileiros juntos, defendendo com uma clareza impecável os direitos dos povos originários e seu papel na manutenção das florestas, que fornecem ar, água e clima para todos.


A atual coordenadora da APIB (Associação dos Povos Indígenas do Brasil) é do povo Guajajara, da Terra Indígena Arariboia, localizada no Maranhão. A TI é alvo frequente de tentativas de invasão e, em 2015, viu queimar cerca de metade de seus 415 mil hectares – segundo o Ibama, provavelmente iniciada por madeireiros e propagada pelo clima seco. “A gente tem sentido os efeitos das mudanças climáticas há algum tempo.”


Por sua atuação, Sonia Guajajara recebeu diversos prêmios. Em 2016, tornou-se conselheira do IPAM.
arariboia
Mapa do calor na TI Arariboia em 2015 e gráfico de focos de calor, com pico em 2016. Fonte: SOMAI (www.somai.org.br).






Como você vê o convite de participar do conselho de uma instituição com um perfil ligado à produção científica?
Sonia: O IPAM é uma entidade com boa credibilidade, parceira do movimento indígena, e o convite mostra que a pesquisa ambiental enxergou o potencial do conhecimento tradicional. A gente vive e a gente vê, sente o que acontece ao redor, e instituições como o IPAM comprovam cientificamente o que sabemos.


Como a agenda indígena se cruza com a ciência?
Sonia: A ciência é uma ferramenta de luta interessante na defesa dos nossos direitos contra projetos legislativos que trazem retrocessos, (pois) os dados comprovam que as mudanças na lei podem trazer impactos para a vida da gente. Assim, temos subsídios fortes para defender as terras indígenas. É caso do estudo sobre PEC 215, que mostra o impacto que uma redução das terras indígenas causará às pessoas.


O IPAM trabalha há muitos anos com o tema das mudanças climáticas com os povos indígenas. Como você vê esse trabalho?
Sonia: O IPAM tem ajudado os povos indígenas com informações e capacitações sobre mudanças climáticas, o que é muito importante. A gente tem sentido os efeitos das mudanças climáticas há algum tempo. Nos nossos encontros, todos os participantes trazem relatos dessas mudanças, nas chuvas, nas secas.


Qual é o impacto dessas mudanças no clima na vida dos povos indígenas?
Sonia: Imagine que tem um povo que depende de um igarapé. Se ele seca, como se vive? Como se planta? Muitas cerimônias acontecem na água. Então há impactos na alimentação do povo, na segurança alimentar, e também em sua cultura.


Quais são os principais desafios de 2017 na agenda indígena?
Sonia: Hoje, o que se enxerga à frente de nós são ameaças aos direitos indígenas conquistados. Precisamos nos empoderar e nos organizar para combater esses retrocessos.

Os venenos genéricos do Ministério da Agricultura


Imagem de perfil do Colunista
Registros agrotóxicos genéricos aumentaram 374% em 2016 na comparação com o ano anterior / Antonio Cruz/ABr
Anvisa já identificou alimentos com até 11 resíduos de agrotóxicos diferentes
Por Leonardo Melgarejo*



No dia 10 de janeiro, o Ministério da Agricultura (Mapa) comemorou grande avanço nos registros de agrotóxicos no Brasil. A notícia menciona não apenas o registro de 277 novos venenos, como ainda destaca que, entre eles, se incluem 161 “genéricos”. Um recorde! Avanço de 374% em relação aos registros ocorridos em 2015, que foram largamente influenciados pela administração anterior, a qual aprovou – contra nossos interesses – 43 “equivalentes genéricos”. Os novos registros de 2017 foram publicados no Ato nº 3 do Diário Oficial da União de 9 de janeiro de 2017.



Tenta-se passar com isso uma ideia positiva de agregação de eficiência nos avanços regulatórios trabalhados pelo governo golpista. Mas, possivelmente, estamos agora diante de novas ameaças, talvez crimes, contra a sociedade e a natureza.



Vejamos:
1 – Como se “acelera” um processo de análise de riscos para a saúde e o meio ambiente?
Contratando servidores, qualificando laboratórios, sofisticando os processos analíticos e estendendo o escopo das avaliações. O governo fez isso? Infelizmente, não.



Evidentemente também se poderia economizar tempo fazendo vista grossa ou simplesmente deixando de lado a avaliação de alguns tipos de problemas, que poderiam decorrer de situações de baixa exposição aos venenos ou a alguns de seus componentes, em longo prazo. Ou, simplesmente, deixando de avaliar os possíveis impactos de alguns componentes químicos, ou das combinações de venenos, sobre o solo, a água, a microvida do solo, os trabalhadores, os consumidores em geral. Ou ainda, em especial, deixando de avaliar riscos afetos a indivíduos com quadro de deficiência renal, ou em fase de formação, gestação, senescência.




Em outras palavras, deixando de lado públicos especiais, bebês e velhos, esquecendo de fazer algumas perguntas e atribuindo escassa relevância ao ciclo de vida completo dos indivíduos. O agronegócio não se preocupa com isso. Para nós é que é importante saber implicações dos venenos usados nas lavouras sobre a fertilidade sexual dos nossos netos. Mas porque isso preocuparia um criador de suínos alimentados com o mesmo milho que usamos na nossa polenta?



O governo adotou este mecanismo torpe para acelerar as análises? Não sabemos. Esperamos que não. Sabemos apenas que com o golpe de estado foram alterados os gestores públicos e que o governo golpista, com isso, entre tantas coisas que já fez, também acelerou a aprovação de venenos a serem usados em nossa agricultura.



2 – O que seriam estes produtos genéricos, aprovados “por semelhança”?
No caso dos remédios entendemos bem. Quando um princípio ativo combate a pressão alta e outro impede a multiplicação de determinadas bactérias, cada um deles se destina a controlar problemas específicos. E ambos podem ser vendidos em formatos diferentes, com nomes diferentes, em embalagens distintas. As “marcas” diferentes terão o mesmo “sentido médico” e poderão ser comercializadas a preços diferentes.



Nestes “remédios” distintos não haverão “venenos” ocultos, escamoteados aos processos de análise de risco. Enfim, o conhecimento de um princípio ativo, sua utilidade e funcionamento, permite aprovação por analogia de vários remédios “similares”. Os “genéricos”, sem o peso das marcas, das propagandas, serão mais baratos e não causarão problemas porque ali não se escondem elementos perigosos. Coisa boa e barata.



Mas e nos agrotóxicos? Remédios “genéricos” seriam equivalentes aos venenos “genéricos”? O mesmo raciocínio utilizado para o controle da pressão alta se aplicaria a um herbicida ou a um inseticida?



Não. No caso dos agrotóxicos estamos sempre diante de um coquetel. Ali existe, além do princípio ativo, destinado a matar insetos ou plantas, outros produtos químicos não menos perigosos. São substancias úteis para eliminar a cerosidade das folhas ou da pele dos insetos, para facilitar a absorção dos venenos, para romper a tensão superficial das gotas e assim por diante. Existem as impurezas e os resíduos do processo de fabricação ou da transformação natural dos químicos, por ação do tempo, da presença do oxigênio, da ação metabólica realizada pelas próprias plantas e animais.




Como exemplo, considere as dioxinas presentes em algumas formulações de herbicidas a base de 2,4 D. Ou o AMPA, resultante da metabolização do glifosato, pelas plantas. Nestes dois casos estamos diante de venenos mais perigosos do que no caso do princípio ativo original.



Portanto, no caso dos agrotóxicos, analisamos o princípio ativo, um veneno, e deixamos de lado todo um vasto leque de outros venenos. Que segurança a análise do princípio ativo oferece para decisão de segurança de outros agrotóxicos, que utilizam o mesmo princípio ativo, se deixamos de considerar os demais venenos?



Não parece óbvio que um veneno genérico, com mais impurezas, tenderá a ser mais barato, mas também mais perigoso?



Cabe aqui um comentário final: as análises de risco para a saúde e o ambiente que aprovam os agrotóxicos para uso na agricultura não levam em conta todos os componentes dos produtos comerciais. Também não levam em conta a mistura desses componentes. E estudos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já mostraram alimentos contendo resíduos de até 11 produtos distintos.


Portanto, mesmo no caso dos agrotóxicos estudados e aprovados com base em análise caso a caso, os riscos são grandes. O que podemos esperar no caso dos genéricos? Aqui, a morte não é o pior cenário.


Enfim, recomendamos a todos: desconfiem das comemorações do governo golpista, fujam dos venenos, comprem apenas produtos orgânicos, estimulem a agroecologia e ajudem a desconstruir as campanhas de marketing criadas em favor de negócios que comprometem a vida.



*Associação Brasileira de Agroecologia e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

CTNBio: resultados dúbios e agenda oculta


Imagem de perfil do Colunista
É curioso o fato do Milho transgênico da DOW estar sendo apresentado em regime de urgência. Urgência de quem? / Reprodução
A quem interessa o silêncio nos tema omissos?
Nesta quinta-feira (9), a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) se reúne em sua 199ª reunião mensal. Na pauta de 36 páginas, uma missão impossível: em quatro horas, deliberar sobre 19 pedidos de Liberação Comercial (LC), 135 Relatórios de Liberação Planejada no Meio Ambiente (RLPMA), 56 Solicitações de Liberações Planejadas no Meio Ambiente (LPMA), 3 Cancelamentos de Liberação Planejadas no Meio Ambiente (CLPMA), 5 Alterações de Liberação Planejada no Meio Ambiente (ALPMA), além de mais de uma centena de outros processos importantes.



Considerando apenas o tempo necessário para avaliar e deliberar sobre cada item, percebe-se que o sistema não funciona. Saberemos os resultados deste desafio na próxima semana.




Aqui, nos limitamos a chamar atenção para um fato: as Liberações Planejadas no Meio Ambiente (LPMA) correspondem a estudos de campo, que após avaliação do projeto, considerando sua adequação e relevância, a CTNBio pode permitir que transgênicos ainda não autorizados no Brasil sejam estudados em campo.




Trata-se de algo necessário e relevante, porque apenas assim é possível obter informações suficientes sobre o comportamento daquelas plantas geneticamente modificadas em nossa realidade. É algo necessário e previsto em lei. As empresas necessitam daquelas informações para sustentação dos pedidos de Liberação Comercial (LC). Os Relatórios de Liberação Comercial no Meio Ambiente (RLPMA) resumem os resultados das LPMAs.




Portanto, se faz óbvio que as LCs carecem dos resultados das LPMAs. A hipótese alternativa é de que as empresas estariam realizando pedidos de estudos desnecessários, e/ou que a CTNBio estaria permitindo liberação antecipada de transgênicos que não são autorizados comercialmente, para estudos irrelevantes, no Brasil. Naturalmente nem as empresas nem CTNBio agiriam desta forma.




Entretanto, o item 1.1 da pauta, envolvendo uma soja tolerante aos herbicidas dicamba e glifosato, cuja aprovação só não foi votada em dezembro porque o representante do MDA solicitou vistas sobre o processo, está sendo acompanhado por três pedidos de Liberação Planejada no Meio Ambiente (itens 1.21, 1.24 e 1.27). Além disso, a pauta também inclui um Relatório de Liberação Planejada (item 5.5), sobre o mesmo evento.




O pedido de liberação comercial será aprovado sem que os estudos que lhe dariam base fossem concluídos? Como interpretar este fato? A empresa não considerou importante aguardar os resultados dos estudos? Ou não considerou importante a opinião da CTNBio, sobre os resultados? E a CTNBio, deve interpretar como normal a dispensa de resultados em pesquisa que autorizou por suposição de relevância? Talvez possamos saber algo mais a respeito disso na próxima semana.




Talvez não, porque a CTNBio é tão lacônica a respeito de suas deliberações que o relatório anual de 2016 (que também será avaliado nesta quinta) possui apenas três páginas de conteúdo. Ali informa-se que em 2016 foram avaliados 1006 processos, sendo 259 retirados de pauta, 7 devolvidos para complementação e 740 aprovados. Foram 18 Liberações comerciais, 112 LPMA, 85 RLPMA, entre outros.




O relatório anual da CTNBio simplesmente não traz o que os relatórios costumam conter. Quais os custos das operações anuais? Quem viajou pelo Brasil ou para o exterior, por que motivo e com que resultados? Qual o orçamento, quais as rubricas de despesas e suas realizações? Qual a finalidade dos itens aprovados, os benefícios e riscos que podem oferecer?




Qual a utilidade efetiva deste relatório, e a quem interessa o silêncio nos temas omissos?




Esperamos que a plenária debata sobre estes temas e também sobre o curioso fato de que o item 1.11, envolvendo o Milho Geneticamente modificado MON 89034 X TC 1507 X NK 603 X MIR 162, da DOW, está sendo apresentado como em regime de urgência. Urgência de quem? O que significa isto?



Seria o fato que das empresas terem obtido mecanismo que impede acesso aos processos por membros que não sejam relatores? Alguns membros da CTNBio seriam impedidos de ler o que devem votar, quando as empresas pedissem urgência em processos de LC?



Haveria uma agenda oculta influenciando sobre os relatos e os mecanismos decisórios da CTNBio? Sobre isto possivelmente teremos informações na próxima semana.




* Leonardo Melgarejo é membro da Associação Brasileira de Agroecologia e da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Já que a estupidez não pode andar armada na rua, que tal criarmos reservas de caça?

Imagem de perfil do Colunista

Se o PL vier a ser aprovado, as perspectivas de sobrevivência passarão a depender do preço das balas e da pontaria dos ''esportistas'' / Reprodução/Internet

Parece óbvio que o Brasil perde, e que as fábricas de munições ganham


Uma boa notícia para os vendedores de cartuchos de armas de fogo. Por iniciativa do deputado federal ruralista Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina, tramita na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural mais uma proposta que envergonhará a nação.



Trata-se do PL 6.268/2016. Com ele, o deputado pretende liberar a caça de animais silvestres, alterando norma legal vigente há 53 anos e que, mesmo prevendo cadeia para os criminosos, não consegue impedir o acelerado extermínio da vida silvestre no território nacional. Para os ambientalistas, ainda que tão somente pela visão desrespeitosa em relação à vida animal, esse PL seria inaceitável. Mas a proposta de fato se restringe a isto?


É importante lembrar que Colatto é o autor de emenda contida na Lei 13.301/2016 que permite a pulverização aérea de inseticidas em áreas urbanas.


No texto da lei da caça, Valdir Colatto propõe a criação de reservas de caça dentro de propriedades privadas. Em sua opinião, isso ampliará a fonte de receitas dos proprietários e não prejudicará a fauna porque as espécies ameaçadas de extinção serão excluídas da licença de caça. As demais, até conseguirem acesso à categoria de “quase extintas”, passarão a ser “manejadas” para o exercício do esporte.



O deputado usa o exemplo do javali, do morcego, do pombo, cuja matança entende necessária para o bem do agronegócio, que estaria sendo ameaçado por esses animais.  Omite os demais componentes da megafauna brasileira e ignora o fato de que os animais silvestres recebem esse nome apenas porque são livres, e que devem ser protegidos exatamente porque cumprem funções ecológicas relevantes e ameaçadas.


Merecem cuidados porque suas populações estão se reduzindo em função do avanço das monoculturas, do uso de venenos, das queimadas, do estreitamento das áreas de reserva, enfim, dos abusos do agronegócio. Aliás, a caça do javali já é autorizada pelo IBAMA onde se faz necessária, de modo que, neste caso, nem poderia ser aceita como argumento honesto.
Então, o que devemos pensar a respeito do PL 6.268/2016?


De um lado se faz evidente que aquele deputado percebe os animais silvestres como coisas sem dono, que não geram renda e que devem ser inseridos na economia de mercado. Baseado nisso, apresenta sua solução radical: por que não damos a essas criaturas sem dono o produtivo papel das vítimas?



Ele está propondo uma espécie de acesso à economia pela porta da morte, similar ao que nosso país já garantiu a todas as minorias que não contaram com a proteção e a solidariedade de valores humanos efetivos, por parte da sociedade. Sabemos que esses sentimentos de respeito à vida, embora dominantes entre nosso povo, são escassos nas elites e se fazem adormecidos em momentos tristes de nossa história.



Pela audácia desta proposta e pela sua coerência com tantas outras alterações em nossa base legal, já efetuadas ou em andamento na Câmara Federal, parece que o deputado está contando como certa a omissão da sociedade ou mesmo o avultamento das ondas de apatia.



Esperamos que ele se perceba equivocado.


Do ponto de vista da fauna, se o PL vier a ser aprovado, as perspectivas de sobrevivência passarão a depender do preço das balas e da pontaria dos “esportistas”. Na contramão dos avanços civilizatórios, os filhos dos proprietários das “reservas de caça”, assim como seus empregados, clientes e amigos serão treinados para matar, usando alvos vivos.


As propriedades rurais também poderão amontoar depósitos com “armas de caça”, e os grupos armados, hoje eventualmente confundidos com milícias, passarão a ser considerados caçadores inocentes, respaldados pela nova lei.



Como requinte, o deputado prevê que possíveis irregularidades, uma vez constatadas, não mais implicarão em prisões. Serão resolvidas com penas alternativas que envolverão tão somente o pagamento em dinheiro, facilitando problemas de julgamento social e ocultando dramas de consciência. No argumento do autor, “evitando agravar o problema das prisões superlotadas”.



Quem ganha e quem perde com este tipo de lei, que tende a nos encaminhar de forma abrupta em direção à barbárie? Parece óbvio que o Brasil perde, e que as fábricas de munições ganham. Mas será apenas isso?


As alterações da base legal, em detrimento dos direitos da população, em desrespeito a questões ambientais, em ameaça à vida para benefício de empresas, já deixaram de ser novidade. Elas estão presentes no esvaziamento de instituições públicas, na facilitação ao uso dos agrotóxicos, na tentativa de ocultar dos rótulos dos alimentos industrializados o símbolo da presença de transgênicos, e em outros PLs propostos pelos deputados da Bancada Ruralista, colegas de Valdir Colatto.



Diante da facilidade com que esse grupo vem conseguindo fazer valer os interesses por eles defendidos, e supondo que aprovem também essa lei, o que deveremos esperar a seguir? A revogação da proibição do DDT? Ou quem sabe algo mais radical, talvez associado à Lei Áurea?



*Leonardo Melgarejo, da Associação Brasileira de Agroecologia e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

PL libera caça de animais; sobrevivência passa a depender da pontaria do caçador


Imagem de perfil do Colunista
Se faz evidente que o deputado Colatto percebe os animais silvestres como que não geram renda e que devem ser inseridas no mercado / Reprodução
Possíveis irregularidades, uma vez constatadas, não mais implicarão em prisões


Uma boa notícia para os vendedores de cartuchos de armas de fogo. Por iniciativa do deputado federal ruralista Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina, tramita na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural mais uma proposta que envergonhará a nação.





Trata-se do PL 6.268/2016. Com ele, o deputado pretende liberar a caça de animais silvestres, alterando norma legal que vige há 53 anos e que, mesmo prevendo cadeia para os criminosos, não consegue impedir o acelerado extermínio da vida silvestre no território nacional. Para os ambientalistas, ainda que tão somente pela visão desrespeitosa em relação à vida animal, este PL seria inaceitável. Mas a proposta de fato se restringe a isto?



É importante lembrar que Colatto é o autor de emenda contida na Lei 13.301/2016 que permite a pulverização aérea de inseticidas em áreas urbanas.


No texto da lei da caça, Valdir Colatto propõe a criação de reservas de caça dentro de propriedades privadas. Em sua opinião, isso ampliará a fonte de receitas dos proprietários e não prejudicará a fauna porque as espécies ameaçadas de extinção serão excluídas da licença de caça. As demais, até conseguirem acesso à categoria de “quase extintas”, passarão a ser “manejadas” para o exercício do esporte.


O deputado usa o exemplo do javali, do morcego, do pombo, cuja matança entende necessária para o bem do agronegócio, que estaria sendo por eles ameaçado. Omite os demais componentes da megafauna brasileira e ignora o fato de que os animais silvestres recebem este nome apenas porque são livres, e que devem ser protegidos exatamente porque cumprem funções ecológicas relevantes e ameaçadas.



Merecem estes cuidados porque suas populações estão se reduzindo em função do avanço das monoculturas, do uso de venenos, das queimadas, do estreitamento das áreas de reserva, enfim, dos abusos do agronegócio. Aliás, a caça do javali já é autorizada pelo IBAMA onde se faz necessária, de modo que, neste caso, nem poderia ser aceita como argumento honesto.
Então, o que devemos pensar a respeito do PL 6.268/2016?


De um lado se faz evidente que aquele deputado percebe os animais silvestres como coisas sem dono, que não geram renda e que devem ser inseridas na economia de mercado. Baseado nisso, apresenta sua solução radical: por que não damos a estas coisas sem dono o produtivo papel das vítimas?



Ele está propondo uma espécie de acesso à economia pela porta da morte, similar ao que nosso país já garantiu a todas as minorias que não contaram com a proteção e a solidariedade de valores humanos efetivos, por parte da sociedade. Sabemos que estes sentimentos de respeito à vida, embora dominantes entre nosso povo, são escassos nas elites e se fazem adormecidos em momentos tristes de nossa história. Pela audácia desta proposta e pela sua coerência com tantas outras alterações em nossa base legal, já efetuadas ou em andamento na Câmara Federal, parece que o deputado está contando como certa a omissão da sociedade ou mesmo o avultamento das ondas de apatia.



Esperamos que ele se perceba equivocado.



Do ponto de vista da fauna, se este PL vier a ser aprovado, as perspectivas de sobrevivência passarão a depender do preço das balas e da pontaria dos “esportistas”. Na contramão dos avanços civilizatórios, os filhos dos proprietários das “reservas de caça”, assim como seus empregados, clientes e amigos serão treinados para matar, usando alvos vivos.




As propriedades rurais também poderão amontoar depósitos com “armas de caça”, e os grupos armados, hoje eventualmente confundidos com milícias, passarão a ser considerados caçadores inocentes, respaldados pela nova lei.




Como requinte, o deputado prevê que possíveis irregularidades, uma vez constatadas, não mais implicarão em prisões. Serão resolvidas com penas alternativas que envolverão tão somente o pagamento em dinheiro, facilitando problemas de julgamento social e ocultando dramas de consciência. No argumento do autor, “evitando agravar o problema das prisões superlotadas”.



Quem ganha e quem perde com este tipo de lei, que tende a nos encaminhar de forma abrupta em direção à barbárie? Parece óbvio que o Brasil perde, e que as fábricas de munições ganham. Mas será apenas isso?



As alterações da base legal, em detrimento dos direitos da população, em desrespeito a questões ambientais, em ameaça à vida para benefício de empresas, já deixaram de ser novidade. Elas estão presentes no esvaziamento de instituições públicas, na facilitação ao uso dos agrotóxicos, na tentativa de ocultar dos rótulos dos alimentos industrializados o símbolo da presença de transgênicos, e em outros PLs propostos pelos deputados da Bancada Ruralista, colegas de Valdir Colatto.




Diante da facilidade com que este grupo vem conseguindo fazer valer os interesses por eles defendidos, e supondo que aprovem também esta lei, o que deveremos esperar a seguir? A revogação da proibição do DDT? Ou quem sabe algo mais radical, talvez associado à Lei Áurea?




*Leonardo Melgarejo é da Associação Brasileira de Agroecologia e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.