terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Uso excessivo de agrotóxicos aumenta resistência de pragas

Edição do dia 05/02/2017
05/02/2017 09h04 -

Dos US$ 54,6 bilhões vendidos em agrotóxicos no mundo, em 2015, o Brasil consumiu sozinho US$ 9,6 bilhões.

Helen Martins

Uma ala inteira de um hospital isolada por causa de uma superbactéria. Uma área inteira de lavoura em vazio sanitário até o próximo plantio. O que existe em comum entre estas duas situações, é a dificuldade de combater organismos cada vez mais resistentes aos remédios, ou aos venenos disponíveis no mercado.


A resistência acontece da seguinte maneira: vamos supor que em uma lavoura de soja, exista uma infestação de percevejos. Mas existem entre eles, alguns que são diferentes. Eles têm, lá no seu DNA, o gene da resistência. Esses, vão sobreviver. Depois de várias e várias pulverizações e com a reprodução desses insetos, aqueles percevejos que eram diferentes, passam a ser maioria e aí o produto não vai mais funcionar.



Esta reportagem faz parte dos melhores momentos do Globo Rural em 2016, Veja aqui a reportagem exibida em 12/06/2016 e o vídeo completo acima.

 

Adasa lança licitação de projeto executivo para tubular o Canal de Irrigação do Rodeador - Bacia do Rio Descoberto

RB AMBIENTAL




Posted: 06 Feb 2017 09:23 AM PST
Diante da crise hídrica no Distrito Federal verificou-se a importância de uma ação efetiva para o incremento da eficiência na condução de água no Canal de Irrigação do Rodeador como uma das principais alternativas para o aumento da segurança hídrica na bacia e na região. Segundo levantamento recente realizado, a eficiência de condução de água do Canal Rodeador é hoje da ordem de 30%. É possível perceber a perda de água em vários pontos do canal. Isso prejudica os produtores à jusante, além de se fazer necessária a captação de uma maior vazão no início do canal para compensar as perdas. 

Em decorrência desses fatos, a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal - ADASA, juntamente com CAESB, SEAGRI e EMATER, decidiram fazer um esforço conjunto para tubular o canal, de forma a contribuir para os produtores usuários do canal, mas, principalmente, para garantir que a vazão captada não seja maior que a necessária, de forma que a vazão do ribeirão Rodeador não seja prejudicada, permitindo que este manancial aumente sua contribuição para o lago Descoberto e, consequentemente, para o abastecimento da população do Distrito Federal. Estima-se que com isso será possível diminuir em 30% e em 50% a captação de água para o canal no período chuvoso e seco, respectivamente, contribuindo assim para que não falte água nas propriedades e aumente o volume do lago Descoberto, com uma contribuição média de 144 L/s a mais para o Lago Descoberto no período seco. 

A área de intervenção consiste em toda extensão do Canal de Irrigação do Rodeador, composto de um canal principal com aproximadamente 13.700 m e 10 ramais secundários, com aproximadamente 15.700 m. O projeto consiste na substituição da forma de transporte de água bruta por canal aberto para tubulação enterrada em ferro fundido, PEAD ou PVC (PBA, DEFOFO ou rígido coletor de esgotos tipo Vinilfort), com início no ribeirão Rodeador (UTM 8.263.391 N e 807.946 E), com potencial de atendimento a 102 propriedades, (96 propriedades atuais e 6 propriedades potenciais).

EDITAL DE PREGÃO ELETRONICO Nº 25/2016 - ADASA 
PROCESSO Nº: 197.001609/2016 
OBJETO: Contratação de empresa especializada para elaboração de projeto executivo de adutora de água bruta e sistema de distribuição de água que integra o Sistema Coletivo de Abastecimento de Água para Irrigação – Canal de Irrigação do Rodeador –localizado na região do Plano Integrado de Colonização Alexandre Gusmão – PICAG, Incra 06, na Região Administrativa de Brazlândia - RA IV, Distrito Federal (DF) 

DATA DE ABERTURA: 08/02/2017 
HORÁRIO DE ABERTURA: 09:00h (horário de Brasília)

Fonte: ADASA

Pássaros urbanos ganham 3500 casas em Copenhague

Com este projeto, o artista buscou fazer um tipo de arte em que todos pudessem entender o propósito. | Foto- Thomas Dambo




Thomas Dambom é um artista e designer que vive em Copenhague, na Dinamarca. Nos últimos sete anos, ele já criou mais de três mil casinhas especialmente para as aves. Segundo ele, estes animais são um dos poucos que ainda conseguem sobreviver na cidade, então porque não dar a eles uma vida digna?


“Comecei esse projeto pensando que era importante se certificar de que eles podem continuar a viver aqui [na cidade]”, afirmou Dambom em seu texto para o Bored Panda. “As pessoas sempre me perguntam se os pássaros usam a casa. Minha resposta é que os pássaros se mudam para as casas se existem aves na área e elas não vão se mudar se as casas estiverem penduradas em um poste de luz ao lado de uma estrada barulhenta. Mas podem ir se a casa estiver em uma árvore dentro de um parque”, completa.

Confira o trabalho:
| Foto: Thomas Dambo
Projeto Happy City Birds. | Foto: Thomas Dambo
| Foto: Thomas Dambo
| Foto: Thomas Dambo
| Foto: Thomas Dambo
| Foto: Thomas Dambo
| Foto: Thomas Dambo
| Foto: Thomas Dambo
Casinha com tema nórdico. | Foto: Thomas Dambo
Casinha com tema nórdico. | Foto: Thomas Dambo
| Foto: Thomas Dambo
| Foto: Thomas Dambo
casaberlim
Projeto em rodovia em Berlim. | Foto: Thomas Dambo
Casinhas camufladas em Berlim. | Foto: Thomas Dambo
Casinhas camufladas em Berlim. | Foto: Thomas Dambo
| Foto: Thomas Dambo
Casinhas feitas durante um festival com a ajuda de muitos voluntários. | Foto: Thomas Dambo
Casa de passarinho gigante. | Foto: Thomas Dambo
Casa de passarinho gigante. | Foto: Thomas Dambo
Dambom explica que o projeto é sobre a criação de um abrigo para pássaros, assim como também é uma lembrança do quão é “importante deixar espaço para aves no mundo urbano”.


Como ex-grafiteiro, as chamadas “birdhouses” nascem também de uma necessidade de fazer um tipo de arte em que todos pudessem entender o propósito.


Além das casinhas, o artista desenvolve diversos projetos para clientes ao redor do mundo. Esculturas a partir de materiais reciclados encontrados no lixo, instalações para cenografia e mobiliário são alguns de seus trabalhos. Para conhecê-los, clique aqui.
FONTECiclo Vivo

Portal Raízes

Aceite-se como um agente da transformação



O ano é 2016 e a humanidade se vê composta por mais de sete bilhões de indivíduos, distribuídos sobre a vasta superfície terrestre, dividindo espaço com um sem número de outras espécies e elementos constitutivos da biosfera. Eu e você somos uma minúscula parte dessa totalidade.



Não nos consideramos parte da mesma família, entretanto, da mesma forma que não nos reconhecemos como cidadãos do planeta, nem mesmo como seus inquilinos. De fato, costumamos pensar que há uma certa distância entre nós e aquilo que nos cerca.


Esse distanciamento entre micro e macrocosmo rendeu e continua rendendo frutos positivos, sendo um deles a formação das identidades individuais responsáveis pelas mais sublimes e distintas expressões artísticas de nossa história.



Há, entretanto, consequências não tão positivas assim. A negligência sistemática de nosso potencial transformador e a conformidade com “o jeito que as coisas são” são dois exemplos.



Fome, guerra, genocídio, escravidão, miséria, poluição dos oceanos, do solo e da atmosfera. Vemos notícias como essas pipocando diariamente no jornal, na internet e nos grupos do whatsapp. E o que fazemos em relação a elas? Experimentamos momentaneamente um sentimento de impotência e depois seguimos em frente.



Como bem argumenta Larry David no filme Whatever Works (Woody Allen, 2009), “você lê sobre um massacre em Darfur ou sobre um ônibus escolar que é explodido e você diz ‘Oh meu Deus, o horror!’, e então você vira a página do jornal e termina seu café da manhã. ‘Porque o que você pode fazer?’ É aterrador.”



Alguns desperdiçam comida enquanto outros vivem de restos garimpados no lixo.  O jeans daquela marca que veste maravilhosamente bem passa por um processo de lavagem que polui os dois principais rios de um país subdesenvolvido, que, por sua vez, não pode se dar ao luxo de cassar a licença da multinacional responsável pela bagunça, pois ela representa empregos e investimentos.




Enquanto algumas joias, cujo valor chega à casa do milhão, são furtadas de um hotel, despertando comoção na população, em um lugar anônimo, milhares simplesmente passam os dias dividindo miséria, desprovidos de direitos, à margem de qualquer reconhecimento como pessoa humana.



Nosso tempo aqui é palco de profundas contradições e complexos paradoxos. Como resolvê-los?



Como continuar existindo sem consumir o planeta? Como viver uma vida consciente, que resulte em um estado de bem-estar coletivo e individual e ajude a promove-lo?



Muitos já estão engajados em inciativas que buscam solucionar tais questões, contribuindo em maior ou menor escala para sua resolução. Grupos de apoio, de voluntários, de estudos e debates. Há, a nível internacional, o “Millenium Project”, cuja proposta é buscar maneiras de pensar/construir um futuro mais justo, sustentável democrático.



Me parece que, enquanto espécie, estamos nos aproximando de um precipício, o qual conseguiremos transpor no momento em que enxergarmos nossa condição de membros integrantes de um ecossistema, e passarmos a colaborar de forma responsável a partir daí.




Como nossos ancestrais pré-históricos, que abandonaram a dinâmica da caça e coleta e passaram a cultivar alimentos, propiciando o surgimento de assentamentos e, mais tarde, de civilizações organizadas, precisamos transformar o modo de existir atual, migrando de uma perspectiva isolacionista para uma coletivista e igualitária.



A transformação verdadeira emana de um esforço de vontade, de um impulso que começa na essência de cada indivíduo e depois expande, perpassando, aos poucos, pensamentos e ações, alterando seu tom, frequência e alcance. É um processo de conscientização, de renovação, de movimento.



Assuma e comece a desempenhar seu papel de agente da transformação
Fuja de tudo que produz um efeito letárgico em seu organismo. Mantenha-se de olhos abertos, resista à dormência sedutora trazida pela musiquinha daquele comercial.


Acredite em seu potencial. Perpetue gestos e palavras que promovam equilíbrio, pratique gentileza e, quando puder, ame. Dialogue, busque outras fontes de informação, construa conhecimento, projete alternativas, reflita sobre seu papel na grande odisseia humana e encontre formas inusitadas de contribuir.




Você importa e suas atitudes fazem diferença
Pense bem: o fato de eu e você estarmos conectados por uma rede global de comunicação simultânea já é sinal de que nossa civilização é plenamente capaz de solucionar entraves. Basta um esforço de vontade e iniciativa em duas frentes: individual e coletiva.



Nós, homo sapiens que somos, precisamos sair de nossas conchas protetoras enquanto indivíduos, e vencer as paredes do casulo enquanto coletividade, se quisermos expandir nossas asas enquanto espécie e vislumbrar novos horizontes.


Ainda somos crisálida, mas um dia, lá adiante, quem sabe…


Ana Henrique Escritora, editora e fotógrafa. Formada em História pela Universidade Federal de Santa Catarina e em Antropologia pela Goldsmiths University of London. “Quando crio, busco sempre associar duas formas de linguagem: a escrita e a imagética”. Os contos Jacques, Elodie e África foram publicados na antologia Contos Fantásticos da 4

Chocante: Até 2020 já teremos acabado com 67% dos animais selvagens


O número de animais selvagens que vivem na Terra deve cair em dois terços até 2020, de acordo com um novo relatório. Pode ser o começo de uma extinção em massa do mundo natural do qual a humanidade depende para sobreviver.

Esta análise, a mais completa até esta data, indica que a população de animais diminuiu em 58% entre 1970 e 2012, com perdas em vias de atingir 67% até 2020.  


Pesquisadores do WWF – Fundo Mundial para a Natureza -e da Sociedade Zoológica de Londres compilou o relatório a partir de dados científicos e descobriu que a destruição do habitat selvagem por meio da caça e a poluição foram os grandes culpados.

As criaturas que estamos perdendo vão desde as montanhas e florestas até aos rios, os mares e incluem espécies ameaçadas bem conhecidas, tais como elefantes, gorilas e criaturas menos conhecidas, como abutres e salamandras.


O colapso da vida selvagem é, com a mudança climática acelerada, o sinal mais evidente da Anthropocene, prevista como uma nova era geológica em que os humanos dominam o planeta.  


“Nós já não somos um pequeno mundo em um grande planeta. Estamos agora num mundo grande em um pequeno planeta aonde chegamos num ponto de saturação”, disse o professor Johan Rockström, diretor executivo do Centro de Resiliência de Estocolmo, no prefácio do relatório.
Marco Lambertini, diretor-geral do WWF:


 “A riqueza e a diversidade da vida na Terra é fundamental para os sistemas de vida complexas que estão subjacentes. Vida apoia a própria vida e nós somos parte da mesma equação. Perder os sistemas de suporte à vida, a biodiversidade e o mundo natural –  tal como os conhecemos –  provocará um colapso”.


Ele disse que a humanidade é completamente dependente da natureza com ar e água limpos.

Alimentos e materiais, bem como inspiração e felicidade são partes importantes de um todo caótico.


Todo esse sistema se imbrica de tal forma que um depende absolutamente do outro.



O relatório analisou a abundância na mudança de mais de 14.000 populações monitoradas das 3.700 espécies de vertebrados. Isso produz uma medida semelhante a um índice que mostra o estado terminal das espécies animais do mundo. Os cientistas utilizam 64.000 espécies para medir o progresso dos esforços de conservação.



A maior causa da diminuição do número de animais é a destruição de áreas selvagens para a agricultura e a exploração madeireira: a maioria da área terrestre do planeta já foi impactada por seres humanos, com apenas 15% protegidas pela natureza. A caça furtiva e a exploração de alimentos é outro fator importante, devido à pesca insustentável e a caça: mais de 300 espécies de mamíferos foram comidas, de acordo com pesquisas recentes.



A poluição é também um problema significativo. Por exemplo, orcas e golfinhos nos mares europeus estão sendo seriamente afetadas por poluentes industriais de longa duração. Abutres no Sudeste Asiático foram dizimados ao longo dos últimos 20 anos.  Os abutres morreram depois de comer carcaças de gado que receberam doses de um medicamento anti-inflamatório. Anfíbios sofreram uma das maiores quedas de todos os animais, devido a uma doença fúngica que pode ser espalhada em todo o mundo pelo comércio de rãs e tritões.




Rios e lagos são os habitats mais atingidos, com populações de animas abaixo de 81% desde 1970, devido à extração excessiva de água, poluição e barragens. Todas essas situações são ampliadas pelo aquecimento global que altera os espaços onde os animais são capazes de viver, disse o diretor da ciência do WWF, Mike Barrett.



Alguns pesquisadores são comedidos sobre a abordagem do relatório que resume estudos diferentes em um número alarmante. “O estudo é muito amplo e vertical, mas o todo é menos do que a soma das partes”,disse o professor Stuart Pimm, da Universidade Duke, nos EUA, acrescentando que olhar para grupos específicos, como aves, é mais preciso, oferecendo resposta mais clara.




O relatório adverte que as perdas de vida selvagem terá um impacto sobre as pessoas e pode até provocar conflitos: “A influência humana é a grande ameaça aos recursos naturais que a humanidade depende, aumentando a disputa por água, a insegurança alimentar e a competição por recursos naturais”.




No entanto, algumas espécies começam a se recuperar, sugerindo que uma ação rápida poderia enfrentar a crise. O número de tigres é monitorado pode aumentar.  O acerto deste controle pode ser comprovado pelo crescente número de pandas gigantes que foram tirados da lista de espécies ameaçadas de extinção.



Na Europa, a proteção do habitat do lince eurasiático sob o controle da caça viu crescer a sua população em cinco vezes desde os anos 1960. A recente cimeira da vida selvagem global também introduziu uma nova proteção para os pangolins, mamíferos com maior tráfico do mundo e os rosewoods – pau-rosa – o produto selvagem mais traficado de todos.



Mas, as perdas totais de animais e dos ambientes naturais requer uma mudança sistêmica na forma como a sociedade consome recursos, disse Barrett.



As pessoas poderiam optar por comer menos carne, pois muitas vezes os animais são alimentados com grãos cultivados em terras desmatadas. Por outro lado, as empresas devem garantir suas cadeias de fornecimento, tais como a madeira, de modo sustentável, disse ele.




Se uma empresa consume matérias-primas para seus produtos de uma forma que não é sustentável, então, inevitavelmente, esta empresa acabará por se colocar fora do mercado”, disse Barrett. Os políticos também devem garantir que todas as políticas públicas – não apenas os ambientais – sejam sustentáveis, acrescentou.



“O relatório é certamente um instantâneo chocante do lugar e da situação em que chegamos”, disse Barrett. “Minha esperança é que embora não seja necessário jogar nossas mãos para o alto, em desespero, eu continuo convencido de que podemos encontrar o nosso curso sustentável por intermédio da Anthropocene. É hora de agir”.



Publicado originalmente em Theguardian – Tradução e adaptação livres: Portal Raízes. Os Direitos Autorais no Brasil são regulamentados pela Lei 9.610 . A violação destes direitos está prevista no artigo 184 do Código Penal. Este artigo pode ser publicado em outros sites, sem prévia autorização, desde que citando o autor e a fonte.



O Cerrado acabou!



– Entrevista com Altair Sales Barbosa

Altair Sales Barbosa é doutor em Antropologia / Arqueologia pela SMITHSONIAN INSTITUTION de WASHINGTON D.C.- Estados Unidos. Liderou as pesquisas na região de Serranópolis/GO, onde foi encontrado o esqueleto cujo teste de Carbono-14 mostrou ter 11 mil anos – O Homem da Serra do Cafezal. Altair Sales é o fundador do Memorial do Cerrado e do Instituto do Trópico Sub-úmido. Ele continua atuando, com genialidade e vasto conhecimento junto à PUC-Goiás. Concedeu uma entrevista exclusiva, originalmente publicada na versão impressa da revista Raízes Jornalismo Cultural em maio de 2015.


Raízes  – O Sr. se tornou uma das maiores referências mundiais em Cerrado, antropologia, arqueologia e meio ambiente. Já proferiu mais de mil palestras, principalmente de teor ambiental, e fez algumas declarações um tanto polêmicas, uma delas inclusive nos causa um desconforto muito grande, que é a afirmação de que “o Cerrado acabou”. Explique melhor essa afirmativa.


Altair Sales – O Cerrado, diferente dos outros matizes ambientais brasileiros, tem que ser entendido como um sistema biogeográfico. Sistema é um conjunto de elementos intimamente interligados, e qualquer modificação em um desses elementos provoca alterações maiores no sistema como um todo. 


No Cerrado temos ambientes totalmente ensolarados, como as campinas e os campos limpos, e ambientes sombreados, aqui mesmo próximo a Goiânia temos exemplos de resquícios dessas matas, no Parque Ecológico Altamiro Moura Pacheco. O Cerrado tem essa variação de ambiente. Entre o ambiente ensolarado e o umbrófilo (sombreado), há todo um conjunto de outros ambientes stricto sensu, como o cerradão, a vereda, as matas ciliares, todos interdependentes. Modificou um deles, todo o sistema sofre mudança. Isso vem sendo observado numa história evolutiva de milhões de anos. 


Por exemplo, nos chapadões, onde se encontram as campinas e os campos limpos, é onde ocorre também a recarga do aquífero, que alimenta áreas de matas situadas em terrenos mais baixos. A cobertura vegetal do cerradão, na área plana, é que garante a infiltração da água da chuva nas raízes das plantas. Retirada essa cobertura, a infiltração não ocorre como deveria, e isso prejudicará em maior ou menor grau todos os demais ambientes. 


O aquífero só é abastecido ali, as demais áreas são de descarga. Para responder à sua pergunta, é preciso ter uma visão global da História Evolutiva do Cerrado, uma evolução de mais de 60 milhões de anos. Houve uma adaptação a um tipo específico de solo, de clima, de agente polinizador que, se eliminado ou alterado, modifica as características dos demais elementos envolvidos.

Raízes  – Esses elementos polinizadores seriam as abelhas, os besouros, algo assim?

Altair Sales – Exato. Abelhas nativas, como, por exemplo, a Jataí. Determinadas plantas só são polinizadas por insetos específicos.

Raízes – Se a abelha morrer, a planta deixa de se reproduzir…


Altair Sales – Sim, você vai ver jatobazeiro, pés de araticum e outras plantas sem frutos. A planta pode até continuar existindo por certo tempo, mas não vai mais ter fruto, com isso não terá semente que propicie a reprodução da espécie, o que determinará seu fim. Se você altera o solo, por exemplo, arando esse solo para plantar arroz, soja, aquele solo, que era oligotrófico – carente de nutrientes básicos –, recebe calcário para corrigir a acidez, recebe adubos ara aumentar a produtividade… se forem mudadas as características primitivas, não vai mais ser um Cerrado.


Raízes  – Se eu trago uma planta lá da Mata Atlântica, por exemplo, introduzo no Cerrado, por que ela não propicia o mesmo tipo de infiltração e manutenção do aquífero?


Altair Sales – Porque ela não exerce o papel ecológico próprio do Cerrado. O sistema radicular do Cerrado é muito complexo. Além da raiz pivotante, que é a raiz principal, que é mais profunda, há um sistema lateral de milhares de canais. Leve um pedaço mínimo de plantas do cerrado ao microscópio e verá milhares de radículas…


Raízes  – São “cabeludas”, né? Um exemplo é o tucum, certo?


Altair Sales – Isso mesmo. Essa planta tem uns 40cm acima do solo, mas há um sistema radicular muito complexo, o que garante uma longevidade ao tronco de até 1.000 anos, em alguns casos até mais do que isso. Cada raiz tem uma função ecológica importantíssima, a mais básica é fixar a água no solo. 

Um solo desnudo, com plantas exóticas introduzidas, não é capaz de reter a água. Uma insolação mais forte fará com que a água existente na parte superficial desse solo evapore e não alimente os lençóis mais profundos.


Raízes  – O Sr. diz, em um de seus estudos, que o Cerrado é como a cumeeira de uma casa. Por quê?


Altair Sales – A cumeeira é a parte mais alta de uma casa, a parte que recebe a água da chuva que flui pelos quatro – ou mais – cantos do telhado. O Cerrado recebe e retém a água da chuva… o verbo, infelizmente, ficaria melhor no passado: ele retinha essas águas e as distribuía para todas as bacias do continente. Bacia Amazônica, do São Francisco, do Paraná e inúmeras bacias independentes, como a do Parnaíba, que, apesar de ser pequena em relação à Amazônica, é tão complexa que carreia sedimentos do Jalapão, da Chapada das Mangabeiras e forma o segundo maior delta das Américas, com mais de 74 ilhas, distribuindo as areias desde o Maranhão, formando os lençóis maranhenses e piauienses e indo até Jericoaquara, no Ceará. 



Algumas ilhas desse delta são tão grandes que têm dois municípios dentro delas. Tudo isso é terra levada pelo rio Parnaíba, que nasce no aquífero Urucuia, que está na Chapada das Mangabeiras e no Jalapão (no Tocantins) e vai dividindo o Piauí do Maranhão até chegar ao Atlântico. A Bacia Amazônica, com todos os seus afluentes, tem suas nascentes, seu curso médio, situado na região do Cerrado. 



Da mesma maneira os rios Paraná e São Francisco, e praticamente todas essas águas se encontram na parte mais alta do Planalto Central brasileiro, que é em Formosa. Formam a Reserva Biológica das Águas Emendadas, com águas do São Francisco, do Araguaia e assim sucessivamente.




Raízes  – Além da Bacia do Paraná, essa cumeeira distribui águas das bacias do São Francisco e do Amazonas, Tocantins, Xingu…



Altair Sales – Sim, todas essas e mais Tapajós e até o Madeira, que é já no final do Cerrado. Depois da Serra dos Pacaás Novos, a alimentação é feita pelo rio Javari, que nasce numa ilha do Cerrado, em cima da Serra dos Pacaás Novos e depois o próprio Madeira, que nasce numa região do Cerrado, quando este se estende em direção ao Acre e Rondônia.



Raízes – É possível ter uma casa sem cumeeira, Professor?



Altair Sales – É impossível, porque a água cai e alaga o solo, forma uma lagoa, se o solo for impermeável. Se não for, a água vai escorrer e desaparecer.



Raízes  – Isso quer dizer que, se o Cerrado não absorve essa água, ela pode provocar grandes inundações e desastres ecológicos?



Altair Sales – Sim, cheias repentinas, como no Meia Ponte, no Botafogo, no Tietê (em São Paulo), por exemplo, durando de um a cinco dias. A água que existe hoje no planeta, pelos parâmetros estudados, sempre existiu. Não é que a água vai “acabar”, pelo menos a curto prazo, e curto prazo em Geologia quer dizer milhares e milhares de anos. 


A água em seu volume atual sempre existiu em 60 milhões de anos, o que ocorre é que ela muda de local. Hoje ela só está aqui graças às condições que formam um aquífero importante. Amanhã ela pode estar em outro lugar. Ela pode inclusive salinizar totalmente e formar apenas águas oceânicas.




Raízes  – O Oriente Médio, na época bíblica, tinha muitas matas de araucárias e cedros, e hoje é em boa parte um grande deserto.



Altair Sales – O mundo todo, do Pleistoceno, quando houve uma glaciação, para agora, teve suas paisagens radicalmente mudadas. O mundo moderno se formou a partir da última glaciação. O deserto de Atacama era uma floresta temperada 11 mil anos atrás. Hoje, é o mais seco deserto do mundo. Como em tantos outros casos de grandes lagos que secaram, a vegetação não existe mais. O Saara também tinha uma vegetação exuberante, floresta equatorial, e tudo secou durante o Pleistoceno em função das correntes marinhas, que afetaram as correntes aéreas, terminando por mudar completamente o clima lá.




Raízes – Professor, fale um pouco a respeito do livro que o Sr. escreveu, com outros autores, sobre a Juriti Pepena. O que é essa ave?




Altair Sales – Então. O livro é bastante interessante, foi inspirado numa lenda indígena do Centro-Oeste brasileiro e de parte do Norte do país. A Juriti Pepena é uma ave invisível que habita as touceiras de catiguá, que é um tipo de inhame de folha riscada, de ocorrência nos brejos do Cerrado. Segundo a lenda, quem ouve os pios lamentosos desse ser passa por uma série de desgraças e sua vida vira uma infelicidade só, isso apenas pode ser revertido com a intervenção de um pajé dotado de muita sabedoria. Se isso não acontecer, a pessoa poderá ficar aleijada para sempre.



Raízes – Vamos supor que a nossa sociedade, como um todo, já tenha ouvido esse pio, e não há um pajé para intervir. A sociedade progressista, nós todos já estamos nessa situação?



Altair Sales – (risos) Boa analogia! Se não houver uma intervenção, uma mudança drástica no modelo econômico que escolhemos e adotamos, eu não tenho a menor dúvida em afirmar que já estamos caminhando com dificuldades. Daqui a pouco poderemos ficar paralíticos ou aleijados para sempre. Agora, é importante entender que o meio ambiente é formado por elementos interligados: ar, fogo, litosfera, atmosfera, comunidades de plantas e animais, e tudo isso está ligado ao Homem também. O que aconteceu às comunidades humanas que ocuparam nossa região? Primeiro, houve até certo tempo uma reação em que fazendeiros muito bem estabelecidos não tinham em suas propriedades escolas ou hospitais. Pensando nos filhos e na conquista de um futuro melhor para eles, enviaram-nos à cidade grande. No começo, o pai ficou na fazenda, mas, movido em parte pela necessidade de serviços de saúde e hospitalares na medida em que a idade avançava e em parte pela saudade dos filhos, também ele se mudou. Nossa ancestralidade rural passou por uma migração lenta. 


As terras foram sendo arrendadas. A partir de 1970, foram sendo criadas as multinacionais, o grande capital internacional entrou de vez em nosso país, por arrendamento ou por grilagem de terras. Com isso, posseiros foram expulsos da terra por meio da falsificação de documentos em cartório ou pela compra de políticos corruptos que facilitavam os trâmites legais, uma vez que só o Estado podia dar a escritura definitiva de uma antiga posse. 



As comunidades rurais, desestruturadas, buscaram abrigo na cidade, onde se viram massacradas pelos meios de comunicação de massa, programas altamente banais que faziam e fazem a cabeça da população brasileira. As pessoas oriundas do meio rural geralmente vêm parar em zonas urbanas periféricas, que são quase sempre ambientes muito desestruturados. A mídia instiga o consumismo, mas a falta de dinheiro impede a sua concretização, o que leva algumas dessas pessoas a uma vida de crimes. 



A estatística carcerária brasileira mostra que 99,9% dos presos são jovens e/ou negros e/ou pobres. Quem provocou tudo isso? Pessoas protegidas por uma redoma tão invisível quanto a Juriti Pepena, um muro chamado impunidade. Enquanto isso, os prejudicados não veem perspectivas e desvalorizam as próprias vidas.




Raízes  – Em suma, nós vivemos um desarranjo social que é, na verdade, um desarranjo ecológico.




Altair Sales – Ambiental. Um desarranjo ambiental que provoca toda essa desestruturação social.



Raízes  – Observando atentamente a sua fala, Professor, a gente percebe que não se trata apenas de uma teoria, de uma coisa de professor universitário. A realidade, com suas tragédias e catástrofes, corrobora os alertas dos ambientalistas



Altair Sales – Exato. O que aconteceu no reservatório do Sistema Cantareira, em São Paulo, é uma consequência do que está sendo feito no Cerrado. Estamos colhendo os frutos de um planejamento inadequado. O Cerrado, de uns tempos para cá, tem sido incluído na política econômica brasileira, como um avanço da fronteira agrícola, sem que se ouça a comunidade científica. Vão tocando o barco sem se preocupar com o futuro da Humanidade. 



É agronegócio sem zoneamento adequado. Na verdade é possível conciliar meio ambiente e agronegócio sadio. Tem que haver um mapeamento agroecológico para que não haja efeitos nocivos à natureza. Em São Paulo, o sistema é alimentado pelo rio Piracicaba, que é afluente do rio Doce, que por sinal tem nascentes no aquífero Bambuí, que é típico do Cerrado, embora seja uma bacia independente. 



O Piracicaba nasce no arenito Botucatu, no aquífero Guarani, de onde suga a água para abastecer o Sistema Cantareira. Porque a água que cai nas escarpas da Serra da Cantareira é incapaz de encher todo aquele grande reservatório, precisa de um aquífero de grandes proporções como o Guarani era. Num dos períodos cíclicos em que se observam influências do El Niño, La Niña e outros eventos periódicos, houve uma grande estiagem, com drástica diminuição da água da chuva, e as represas não foram alimentadas como deveriam. 



A represa deveria, então, ser sustentada pelos rios que a alimentam. Só que os aquíferos também já chegaram aos seus níveis de base, não tem água hoje como há 20 anos. Consequência: a maioria dos rios desapareceu, os menores, e os maiores tiveram a vazão muito reduzida. O Governo pensou em colocar uma sonda para chegar ao arenito Bauru, mais antigo que o Botucatu, e sugar aquela água para alimentar a represa. Felizmente não se fez isso, seria um desastre ambiental de grandes proporções. 



Agora o pensamento é captar água da nascente do Paraíba do Sul para suprir a necessidade da represa Cantareira. É uma transposição que pode ser benéfica a curto prazo, mas em mais ou menos cinco anos poderá haver problemas para a bacia do Paraíba do Sul (que alimenta os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo) e também para o Sistema Cantareira. 


O aquífero Guarani não está sendo reabastecido como deveria, porque foram retiradas as plantas nativas dos chapadões e no lugar foram implantadas variedades exóticas, como soja e algodão melhorado geneticamente, que têm raízes sub-superficiais, diferentes das raízes das plantas do Cerrado. Cai a chuva e a água, em vez de infiltrar, empoça e não é sugada pela planta, nesse caso uma insolação mais forte ou mais prolongada provoca níveis de evaporação indesejados.


Raízes  – Curva de nível feita nas lavouras não resolve esse problema?



Altair Sales – Não, porque a curva de nível acumula a água na primeira vez, na segunda já forma na base da curva uma argilificação do solo. A argila é uma rocha impermeável e não deixa a água penetrar. A água pode até ficar retida, mas fica empoçada, criando ambientes propícios à proliferação de insetos nocivos, como o Aedes aegypti.




Raízes – Por falar em transposição, há o caso do Rio São Francisco, no Nordeste. Lá também há o risco de se agravar em vez de se resolver o problema?




Altair Sales – No caso específico do Rio São Francisco, se houver a concretização da transposição, vão praticamente acabar com o rio, que hoje já tem trechos que podem ser atravessados a pé. Já foi considerado entre os maiores rios do mundo, hoje nem é como naquela música do Luiz Gonzaga, “Riacho do Navio corre pro Pajeú, o Rio Pajeú vai despejar no São Francisco, e o Rio São Francisco vai bater no meio do mar”. 



Aquilo ali já não é mais verdade, ele não bate mais no mar. É o mar que avança em direção ao Rio São Francisco, que começa a morrer da foz à nascente. Na transposição, há dois grandes canais, um de 25m de largura por 12m de profundidade, com 750 km, é o Canal Norte, e outro com as mesmas medidas e com 600 km, que é o Canal Leste. A ideia é bombear a água do Sobradinho para encher esses canais e fazer dois grandes rios que vão correr pelo Nordeste. As bombas d’água vão alterar a mecânica do rio. Ele correrá mais depressa, com isso chupará mais os afluentes, que já estão exauridos. Os afluentes menores vão assorear e sumir.




Raízes  – E a gente percebe isso no dia a dia, em Goiânia e região inclusive, a depredação do Cerrado é um fato. Há poucas reservas de Buriti, que é o grande esteio, o grande monumento do Cerrado. Em sua opinião, Professor, o que o pequeno produtor pode fazer para ajudar, se não a parar, pelo menos a desacelerar esse processo de devastação?




Altair Sales – Pouca coisa. Claro que ele, se quiser, pode tomar providências, mas são os latifúndios, praticamente cidades que surgem da noite para o dia, como Luís Eduardo Magalhães, Chapadão do Céu, São Lucas do Rio Verde – que tem até um time de futebol melhor que o Vila Nova, embora pouquíssima gente admita isso –, são esses grandes capitais dinâmicos que trazem uma nuvem que cega para a verdadeira imagem do futuro. 



Cercar a área do córrego e impedir que o gado a pisoteie, com isso protegendo o lençol freático, é uma boa opção, mas de modo geral a contribuição do pequeno produtor é mínima. Os grandes dizimadores do futuro é que teriam que mudar seu comportamento predatório. Por isso eu disse que o Cerrado não existe mais. Você não pode medir a degradação do meio ambiente apenas pela existência ou não de certas plantas. 



É preciso que existam comunidades, tanto animais quanto vegetais. Caso contrário, haverá uma degeneração, inclusive pelo cruzamento indevido de espécies. Nossos animais estão praticamente todos no livro vermelho da extinção, principalmente pela falta de espaço para que sobrevivam. E além da ação do Homem, ainda há dois inimigos naturais da fauna silvestre que foram trazidos pelos europeus, que são o gato e o cachorro domésticos. Ambos são animais exóticos, ou seja, não nativos daqui. 



O latido do cachorro, no meio rural, provoca um tamanho nível de estresse em pequenos animais e pássaros silvestres que, em alguns casos, impedem a procriação deles. Quanto ao gato, trata-se de um predador por natureza, pondo fim a passarinhos, calangos, micos etc. com a proliferação das pet shops, que tratam melhor esses bichos do que o sistema de saúde humano trata as crianças pobres, a Humanidade – e aqui especificamente a gente goiana – está criando seres que acabarão com a fauna nativa. Eu tenho pena dos filhotes de Lobo-Guará, de tamanduá, de raposa, de meleta, de ouriço, porque eles já não têm mais para onde fugir.




Raízes – O Lobo-Guará, inclusive, segundo um estudo seu, Professor, ajuda na proliferação de plantas como o araticum…

Altair Sales – Sim, as sementes do araticum só quebram a dormência no intestino delgado do Lobo-Guará, da raposa, do Cachorro-do-Mato Vinagre – esses sim, canídeos naturais de nosso bioma –, que defecam e proporcionam a germinação dessa planta



Raízes – Sem falar que grande parte do que comemos tem origem indígena, e muitas pessoas sequer suspeitam disso…



Altair Sales – Verdade. Se pensarmos para além das aparências, veremos que quase tudo o que entra em nossa dieta é contribuição indígena. O milho, cultivado desde sete mil anos atrás no México, tem sido modificado pelos índios do Cerrado. 



São inúmeros produtos derivados do milho que fazem parte da culinária do mundo todo, e não apenas alimentos, mas também combustíveis e remédios. Da mesma maneira ocorre com a mandioca. Farinha, tapioca, beiju, suportes para remédios, polvilho etc. O tomate também, foi domesticado pelo nosso índio. 



Ainda há reservas de tomate primitivo, que originou primeiro o tomatinho de capoeira, que por sua vez deu origem ao tomate atual. O abacate, o abacaxi, tudo planta nativa domesticada e aperfeiçoada no Cerrado. Quanto ao chocolate, derivado do cacau, o índio fazia a sebereba, uma bebida energética também chamada jacuba, não só do cacau, mas também do buriti. Batia, cozinhava, tirava a polpa, misturava mel de abelha, adicionava água e bebia. Isso foi ensinado aos europeus, que adicionaram leite, pois o gado é de origem mista europeia e indiana. 


Vamos pensar na borracha, o mundo se move sobre ela, nos pneus dos veículos, no solado dos sapatos. Pois é, a seringueira dá o látex, que faz inúmeros produtos, inclusive a camisinha. Inúmeras plantas medicinais incorporadas à farmacopeia internacional têm origem no Cerrado. O quinino, que cura malária… ficaríamos a tarde toda enumerando as contribuições. Todos os tipos de pimenta vêm da Malagueta, que é nossa. 



Mas, sem dúvida alguma, a maior contribuição é mesmo a sabedoria, o exemplo da relação saudável com a Natureza, que ainda não aprendemos, mas ainda podemos aprender se as escolas cumprirem a função para a qual foram criadas. Só que não há uma eternidade para isso. Se o Homem não mudar seu procedimento, chegará o dia em que será tarde demais.




Raízes  – Para encerrar, Professor, vamos falar um pouco mais do livro “O Piar da Juriti Pepena?”.



Altair Sales – Claro! O subtítulo é “Narrativa Ecológica da Ocupação Humana no Cerrado”. O pano de fundo é o meio ambiente e o modo de narrar é fruto de uma escola antropológica que nós criamos e depois ajudamos a aperfeiçoar, quando ainda estávamos nos Estados Unidos. O livro tem o suporte teórico dessa escola, a “ecologia cultural”, que tem suas bases no neo-evolucionismo e no neo-marxismo. 



Há duas formas de você ver a realidade: uma é situando-se fora dela, como observador, a outra é de dentro pra fora. O livro foi escrito numa concepção que se põe dentro do universo estudado, e somos afetados por tudo o que ocorre com esse universo. Desde os primórdios, há 12.000 anos, passando pelos bandeirantes com as primeiras cidades fundadas aqui, os variados ciclos econômicos, até chegar ao impacto do sistema capitalista e os dias de hoje. 



Tudo isso foi dando um novo desenho ao lugar que ocupamos, modificando o que colhemos, nós e as gerações futuras. O livro pode ser encontrado em várias livrarias, mas principalmente na Biblioteca da UCG-GO. A primeira edição está praticamente esgotada, depois de um período de três anos e três lançamentos, na própria UCG, no Instituto Histórico e Geográfico e também na UnB. Isso nos incentiva a continuar escrevendo.



 Raízes  – A gente agradece pela entrevista. Muito obrigado, Professor Altair Sales.
Altair Sales – Eu é que agradeço pela oportunidade de levar a público algumas de minhas ideias, espero ter contribuído para a formação de uma consciência ambiental da população goiana.

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As mãos do homem sobre o paraíso


Por Vandré Fonseca
Geoglifos no Acre. Foto: Edison Caetano.
Geoglifos no Acre. Foto: Edison Caetano.


Manaus, AM -- Ao lado de impressionantes geoglifos, índios que viveram há centenas ou milhares de anos onde hoje é o estado do Acre deixaram inúmeras outras marcas, bem mais sutis. Elas precisaram de olhos e instrumentos de cientistas para serem notadas. Esses registros estão ajudando arqueólogos e outros pesquisadores a explicar mudanças ocorridas na floresta amazônica de 6 mil anos atrás até a chegada dos primeiros europeus.


A análise de vestígios fossilizados de plantas, restos de carvão e levantamentos florísticos em áreas vizinhas aos geoglifos demonstrou que, além de construir esses misteriosos monumentos (talvez usados em rituais religiosos), os antigos índios enriqueceram a floresta com espécies úteis. E provocaram bem menos impactos sobre a natureza do que acreditam outros estudiosos. A pesquisa foi publicada nesta segunda-feira na revista Proceedings of  the National Academy of Sciences (PNAS).



Conforme explica a autora principal do artigo, a arqueóloga inglesa Jennifer Watling, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), antes do colapso provocado pela chegada dos europeus, os índios abriam clareiras para viver ou plantar, que depois de abandonadas se regeneravam. Às vezes, podia incrementar um pouco mais a floresta. “Eles favoreceram várias plantas econômicas, úteis no passado e mesmo hoje em dia”, conta a arqueóloga. “A gente viu que eles favoreceram o crescimento de palmeiras e outras espécies, como a castanha-do-pará, ao longo de 3 mil anos”, completa.



Vestígios de carvão sugerem que mudanças na floresta começaram a ser feitas com mais intensidade pelo homem há cerca de 4 mil anos, quando o uso do fogo se tornou mais comum. Antes disso, num período que retrocede 6 mil anos, as alterações humanas ainda eram muito pequenas. Há sinais de populações associadas aos geoglifos e essas mudanças na floresta até pelo menos a época da chegada dos europeus ao continente americano.



Floresta alterada
Estudos em outras regiões da Amazônia também tentam descobrir se a floresta encontrada pelos descobridores era diferente da planejada pela natureza. “De fato eles (os índios) cultivavam, manejavam. Mas a grande discussão é saber se os efeitos disso são vistos até hoje”, afirma a bióloga Carolina Levis, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que estuda alterações deixadas por índios na composição da floresta em uma área próxima a Manaus.
Foto: Edison Caetano.
Foto: Edison Caetano.


A concentração de espécies usadas na alimentação, construção de casas, remédios ou veneno, podem indicar mudanças na natureza provocadas pelas antigas populações amazônicas, afirma a bióloga. A castanheira é um exemplo citado por ela. A árvore é encontrada em quase toda a Amazônia, associada à ocupação humana. Estudos genéticos indicam que a dispersão da espécie foi rápida, sinal de que pode ter sido espalhada pelo homem. Além disso, eles precisam de clareiras para crescer.



Mas pesquisadores ainda buscam provas mais robustas de que a ocorrência de espécies importantes é mais do que um capricho da natureza e se deve, pelo menos em parte, à ação voluntária do homem. O artigo publicado esta semana reforça a tese de que antigos índios deixaram uma rica herança plantada na floresta. No Acre, embora as palmeiras dos povos pré-colombianos tenham desaparecido com o tempo, outras espécies de árvores, mais resistentes, ainda podem ser encontradas na mata.


“Existem evidências (de alterações provocadas pelos índios) em um pedaço de floresta que até agora não foi tocada por práticas modernas, que fica ao lado de um geoglifo”, destaca Jennifer Watling. “A gente fez um inventário botânico e vimos que lá tem várias espécies úteis. Essa evidência é grande para sugerir que as palmeiras talvez declinaram, mas a floresta que ficou lá até hoje em dia tem traços de manejo prévio”, completa.


O artigo publicado esta semana traz também uma contribuição a outra controvérsia que envolve o impacto da agricultura dos antigos índios sobre a floresta. Há quem diga em vez de serem plantadores eles eram destruidores. Segundo essa hipótese, o colapso dos povos pré-colombianos permitiu uma grande e extensa regeneração da floresta. O carbono sequestrado pelo crescimento das árvores teria sido suficiente para provocar uma pequena era glacial no planeta nos séculos seguintes.



Os estudos de Jennifer Watling indicam que não. Mesmo que em outras áreas da Amazônia o desmatamento tenha sido intenso, o sistema adotado na floresta acreana oferecia menos impacto. “Os índios não mantinham o espaço aberto por muito tempo, eram espaços temporários que eles abriam para viver ou para a agricultura, ou para o extrativismo”, conta. “Eles formaram uma espécie de mosaico, entre áreas manejadas e áreas que eles não mexiam”, completa.