sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Antropoceno: a força destruidora de uma espécie, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017


“Vivemos o tempo dos pontos catastróficos e da reversão das curvas”
(Danowski e Viveiros de Castro, 2014)



 Antropoceno é a Era dos Humanos. O prefixo grego “antropo” significa humano; e o sufixo “ceno” denota as eras geológicas. O termo foi proposto por Paul Crutzen, Prêmio Nobel de Química de 1995, para substituir o Holoceno (que começou há cerca de 10 mil anos). Antropoceno significa que os seres humanos se transformaram em uma espécie de força geológica que tem o poder de revolver a terra, modificar o ritmo do ciclo de vida da Terra e alterar a química dos solos, das águas e do ar.


A ideia de que estamos vivendo uma nova fase da história geológica, marcada pelos impactos avassaladores da ação de uma única espécie sobre a estrutura do Planeta está a um passo da aprovação oficial, em função da proposta do Grupo de Trabalho do Antropoceno apresentada durante o 35º Congresso Geológico Internacional, realizado, em setembro de 2016, na Cidade do Cabo (África do Sul). Dos 35 membros do grupo coordenado por Jan Zalasiewicz, da Universidade de Leicester (Reino Unido), 30 se posicionaram a favor de formalizar o Antropoceno como uma fase geológica distinta do desenvolvimento do Planeta, e não como uma simples designação simbólica dos impactos do Homo sapiens sobre a biosfera. Foi também apoiada a proposta de definir o início do Antropoceno como a década de 1950.


A proposta de considerar a década de 1950 como início do Antropoceno se deve a vários motivos: 1) ascensão de testes nucleares em escala ampla, produzindo o elemento químico plutônio; 2) aumento vertiginoso da concentração de dióxido de carbono na atmosfera (por conta da queima de combustíveis fósseis); 3) aparecimento de plásticos ou de alumínio puro, materiais nunca vistos no planeta antes do século passado. A decisão final ainda será tomada pelo comitê executivo da União Internacional de Ciências Geológicas.


De fato, a década de 1950 marcou um ponto de aceleração das atividades antrópicas no Planeta. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a construção de uma nova hegemonia econômica e uma nova arquitetura de governança global (ONU, FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio – GATT), o crescimento demoeconômico nunca foi tão grande e tão impactante.


A população mundial era de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 e chegou a 7,5 bilhões em 2016. Ou seja, um crescimento de 3 vezes em 66 anos, ou um aumento de 5 bilhões de habitantes, o dobro do montante de pessoas reunidas em um mesmo ano, no espaço de tempo desde o início da história da humanidade até meados do século XX.


Mas isto foi pouco diante do crescimento da economia. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 12,2 vezes e o PIB per capita cresceu cerca de 5 vezes entre 1950 e 2016. Houve redução da mortalidade infantil e a esperança de vida ao nascer da população mundial passou de 47 anos no quinquênio 1950-55 para 72 anos no quinquênio 2015-20. Houve também redução da pobreza absoluta e melhoria nas taxas de matrícula em todos os níveis de ensino. Embora de forma desigual, o progresso humano foi incontestável. Mas isto ocorreu em função do regresso ambiental, da degradação dos ecossistemas, da perda de biodiversidade, do holocausto biológico e da grande emissão de gases de efeito estufa (GEE).



Sem dúvida, a humanidade se multiplicou e melhorou o seu padrão de vida no Antropoceno. Mas nunca uma espécie destruiu tantas outras espécies e consumiu tantos recursos naturais em tão pouco tempo, além de gerar lixo, poluição e um rastro de perdas e danos ambientais.



O International Geosphere-Biosphere Programme (IBBP) mostra que desde o final da Segunda Guerra Mundial houve uma “grande aceleração” do desenvolvimento social e econômico a nível mundial que está conduzindo a uma crescente escassez dos recursos naturais e a grave depleção do meio ambiente. O IGBP elaborou uma série de gráficos que ilustram como o crescimento demoeconômico aumentou o apetite por recursos naturais e tiveram um crescimento exponencial desde 1950. Os gráficos com maior detalhe podem ser vistos no link da referência.



Toda essa aceleração da dominação humana e da exploração da natureza provocou o desmatamento das florestas para utilizar as madeiras de lei, fazer carvão e ampliar as atividades da agricultura e da pecuária. Represou rios, drenou pântanos, alterou a paisagem natural. Os aquíferos estão sendo utilizados em uma taxa maior do que a capacidade de recarga. Danificou os solos, ampliou as áreas desérticas e gerou desertos verdes que provocam a defaunação. 

O sistema de produção e consumo que satisfaz o desejo egoístico de possuir bens e serviços gera crescentemente lixo, resíduos sólidos e poluição. Os aterros sanitários são uma fonte de propagação de doenças e de danos ambientais. Os oceanos tendem a ter mais plásticos poluidores do que peixes. Dezenas de milhares de espécies desapareceram e outras centenas de milhares estão em riscos de extinção. 

Para manter o crescimento econômico a terra foi revolvida para extrair minérios, para buscar petróleo no fundo do subsolo e para outros usos que emitem gases de efeito estufa que alteram a química da atmosfera, provocando o aquecimento global e a acidificação dos solos e das águas, além do aumento do nível dos mares, o que ameaça bilhões de pessoas que vivem ou dependem das áreas costeiras, enquanto definha a vida marinha.

Os seres humanos estão produzindo e consumindo recursos a uma taxa geologicamente sem precedentes – uma taxa que deve ser mantida para continuar a alto nível e complexidade da atual civilização (com base nos combustíveis fósseis). Este alto consumo formou um ‘novo padrão” no fluxo de energia global do planeta, que cresce com o aumento da população (conforme figura abaixo, Earth’s Future, 2016) e é incompatível com o fluxo metabólico entrópico.

O relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016) aponta que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas arrancadas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas em 2010, com os países mais ricos consumindo duas vezes mais do que a média mundial.



O aumento do uso de materiais globais acelerou rapidamente nos anos 2000, com o crescimento das economias emergentes, em especial com o crescimento da China que passou por grandes transformações industriais e urbanas que demandaram enorme quantidade de matérias-primas, de ferro, aço, cimento, energia, material de construção, etc. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010.



Se a extração de recursos continuar, em 2050, haverá uma população de mais de 9 bilhões de habitantes e uma demanda de 180 bilhões de toneladas de material a cada ano para atender às demandas antrópicas. Esta é a quantidade quase três vezes a situação atual e provavelmente vai aumentar a acidificação dos terrenos e das águas, a eutrofização dos solos do mundo e dos corpos de água, além de aumentar a erosão e aumentar a poluição e as quantidades de resíduos. Ou seja, em vez de haver “desacoplamento” (decoupling), a economia internacional está utilizando cada vez mais recursos da natureza per capita e por unidade do PIB. O modelo marrom continua e o sonho da economia verde tem sido, na verdade, um pesadelo.



As emissões de GEE continuam em ritmo perigoso. Durante, pelo menos, os últimos 800 mil anos o nível de CO2 na atmosfera ficou abaixo de 280 partes por milhão (ppm). Mas com o início da Revolução Industrial e Energética os níveis subiram, chegando a 310 ppm em 1950, 350 ppm em 1990 e 400 ppm em 2015 e 407,7 ppm em maio de 2016. Ainda no século XXI o nível de CO2 na atmosfera deve chegar ao dobro do que aconteceu no máximo dos últimos 800 mil anos. Isto aumenta o efeito estufa e torna o aquecimento um processo inevitável.



Nunca a concentração de CO2 subiu tão rápido quanto no Antropoceno (desde 1950) e nunca os seres vivos da Terra tiveram tão pouco tempo para se adaptar. Embora as mudanças climáticas no passado tenham sido causadas por fatores naturais, as atividades humanas são agora as principais forças de mudança. As atividades antrópicas estão afetando o clima através de aumento dos níveis atmosféricos de gases do efeito estufa e outras substâncias poluidoras.



Por tudo isto, não há dúvida de que o Planeta está caminhando para uma temperatura elevada e o Antropoceno vai bater os recordes dos últimos 5 milhões de anos. O recorde de temperatura atingido em 2016 é uma demonstração dos perigos à frente. Desde o surgimento da espécie Homo, nunca o clima foi tão ameaçador. O nível do mar pode subir até 2 metros até 2100 e continuar subindo entre 6 e 9 metros em função do degelo do Ártico, da Groenlândia, da Antártica e dos glaciares. Um dos efeitos imediatos será a inundação de milhões de casas e quilômetros de áreas férteis da agricultura nas regiões litorâneas, gerando perda na produção de alimentos, pobreza e grande número de refugiados do clima.



Segundo o livro “The Last Beach”, de Orrin Pilkey e Andrew Cooper, a elevação do nível do mar e as tempestades e furacões por conta das mudanças climáticas, estão provocando vasta erosão de areia em direção ao fundo dos oceanos, promovendo a “varredura” do solo costeiro e destruindo grandes extensões de praias densamente povoadas. Praias famosas do Rio de Janeiro como Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon e Barra da Tijuca podem desaparecer até o final do século XXI. O caos urbano será terrível.


As civilizações humanas se desenvolveram durante o Holoceno e chegaram ao auge no Antropoceno. Se não houver uma mudança de rumo e um decrescimento demoeconômico, com restauração dos ecossistemas e das áreas anecúmenas, a humanidade pode estar caminhando para o precipício e pode estar gerando a 6ª extinção em massa da vida na Terra. O resultado pode ser um ecocídio seguido de suicídio.



Referências:



DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Cultura e Bárbarie/Instituto Sociambiental, Florianópolis, 2014 (p.24)
http://culturaebarbarie.org/?page_id=751
International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP)



http://www.igbp.net/globalchange/greatacceleration.4.1b8ae20512db692f2a680001630.html
UNEP, Global Material Flows And Resource Productivity: Assessment Report for the UNEP International Resource Panel, Jul 2016



http://unep.org/documents/irp/16-00169_LW_GlobalMaterialFlowsUNEReport_FINAL_160701.pdf
Mark Williams, Jan Zalasiewicz, Colin N. Waters, Matt Edgeworth, Carys Bennett, Anthony D. Barnosky, Erle C. Ellis, Michael A. Ellis, Alejandro Cearreta, Peter K. Haff, Juliana A. Ivar do Sul, Reinhold Leinfelder, John R. McNeill, Eric Odada, Naomi Oreskes, Andrew Revkin, Daniel deB Richter, Will Steffen, Colin Summerhayes, James P. Syvitski, Davor Vidas, Michael Wagreich, Scott L. Wing, Alexander P. Wolfe, An Zhisheng. The Anthropocene: a conspicuous stratigraphical signal of anthropogenic changes in production and consumption across the biosphere. Earth’s Future, 2016; DOI: 10.1002/2015EF000339



http://energyskeptic.com/2016/a-strong-case-for-the-anthropocene-no-other-species-has-ever-consumed-as-much-of-earths-resources-so-quickly/



Peter Walker. Climate change escalating so fast it is ‘beyond point of no return’, Independent, 01/12/2016
http://www.independent.co.uk/news/science/donald-trump-climate-change-policy-global-warming-expert-thomas-crowther-a7450236.html



José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br


Fonte: EcoDebate

Príncipe Charles alerta: negar mudança climática destrói o planeta

egunda-feira, 23 de janeiro de 2017



O príncipe Charles da Inglaterra alertou neste domingo (22) que o planeta está sendo destruído porque algumas pessoas insistem em negar os efeitos da mudança climática e, com isso, freiam medidas imediatas para reverter o aquecimento global.




“Podemos assumir a evidência científica e atuar de forma condizente, ou simplesmente podemos encontrar meios de continuar sem aceitar que precisamos de ações imediatas e robustas”, afirmou o herdeiro do trono britânico ao jornal “Mail on Sunday”.



“O problema dessa segunda opção é que continuaremos ameaçando nosso mundo com a destruição até que os estudos demonstrem que sua viabilidade e habitabilidade ficaram aniquiladas”, alertou.


O príncipe considera que a evidência da mudança climática é inegável e que a situação é tão séria que já não é possível “olhar para o lado nem esconder a cabeça na areia”.



A advertência acontece dois dias após a posse do novo presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump, que negou a existência do aquecimento global e chegou a dizer que se trata de “um engano dos chineses”.


Na campanha eleitoral, Trump se mostrou partidário de cancelar os acordos sobre meio ambiente da convenção de Paris, realizada em 2015, assinados por mais de 170 países.


Nas primeiras horas do mandato do bilionário, o site da Casa Branca suprimiu as referências prévias à mudança climática, que o governo do agora ex-presidente Barack Obama tinha elevado a um dos temas-chave de seu mandato.


“Atuar agora é muito mais barato que tentar recolher as peças mais tarde”, disse Charles, para quem o aquecimento “está levando à extinção de algumas espécies, ameaça o acesso a alimentos e água, e é um fator que contribui às migrações de pessoas”.


“Quando entrarmos em acordo, poderá ser tarde demais para fazer algo a respeito”, completou o herdeiro do trono.


Durante esta semana, a primeira-ministra britânica, Theresa May, se reunirá com Trump em Washington.


Fonte: Terra

Tese de doutorado revela o potencial turístico e econômico das unidades de conservação

Parque Nacional Lencois Maranhenses. Foto: João Freire/ICMBio
Parque Nacional Lencois Maranhenses. Foto: João Freire/ICMBio


A recém-publicada tese de doutorado em Ecologia de Thiago Beraldo, analista ambiental do ICMBio, concluiu o seguinte: o uso público é um serviço ambiental e cultural oferecido pelas unidades de conservação que, além de movimentar a economia, deve ser encarado como um aliado da natureza – afinal, quanto mais as pessoas têm acesso e conhecem estas áreas protegidas, mais elas advogarão a favor do meio ambiente.


A tese Avaliação da oferta, demanda e impactos econômicos do turismo em unidades de conservação federais do Brasil é resultado de um abrangente projeto de pesquisa realizado pelo analista ambiental na Universidade da Flórida (EUA). O trabalho já foi apresentado em importantes eventos internacionais, como o Congresso Mundial da Conservação, realizado em setembro de 2016 no Havaí, e a 13ª Conferência das Partes sobre Diversidade Biológica (COP 13), que aconteceu no último mês de dezembro em Cancun, no México.


“Eu procurei analisar a oferta e demanda de todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Meu objetivo era entender a dinâmica do uso público nas áreas protegidas e os impactos econômicos da visitação, isto é, quanto o gasto do visitante gera para a economia local”, destaca o pesquisador. Os resultados numéricos do estudo surpreendem: o turismo em unidades de conservação movimenta aproximadamente R$ 4 bilhões por ano, gera 43 mil empregos e agrega R$ 1,5 bilhão ao Produto Interno Bruto (PIB).


Atrativos turísticos
O trabalho identificou 36 classes de atrativos turísticos nas nossas áreas protegidas, entre naturais (praias, montanhas, florestas e até mesmo neve, no Parque Nacional de São Joaquim) e culturais (parques arqueológicos, patrimônios arquitetônicos, comunidades tradicionais, etc). “Outro dado interessante é que o Brasil já conta com mais de 1.600 km de trilhas disponíveis para uso público”, ressalta Beraldo.

Além das tradicionais trilhas, outras 57 atividades menos convencionais estão em curso e podem ser exploradas pelos visitantes. Interação com golfinhos, arvorismo, observação de fauna, camping, rapel, visitas a comunidades, passeios a cavalo e canoagem são alguns exemplos do que já vem sendo oferecido aos turistas.
Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Foto: Acervo ICMBio
Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Foto: Acervo ICMBio


Potencial brasileiro
O pesquisador explica que sua análise da visitação em UCs teve como base dois eixos principais: o interno, que avalia potenciais da área como belezas cênicas, atividades e serviços oferecidos na unidade; e o externo, que avalia o local em que a unidade está situada. “De modo geral, as pessoas buscam um destino turístico que inclui diversos atrativos – entre eles a unidade de conservação (UC). As UCs que atraem o turista apenas por elas mesmas, a exemplo do Parque Nacional do Monte Roraima (RR), são exceções à regra”, afirma.


Nesse sentido, Beraldo aponta para o fato de que o Brasil possui diversas áreas protegidas ainda não tão valorizadas, mas com grande potencial de atração de visitantes justamente pelos locais onde se encontram. A Floresta Nacional de Brasília (DF), a Floresta Nacional de Canela (RS) e o Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC), podem ser citados como exemplos desse potencial a ser explorado.


Outro aspecto analisado no trabalho é o tempo de duração das visitas. Segundo o pesquisador, ainda estamos muito limitados aos passeios de apenas um dia. “Basta comparar com os Estados Unidos, onde boa parte dos visitantes dorme e passa pelo menos dois dias na unidade. Para seguirmos essa tendência, precisamos ampliar a oferta de campings nas nossas UCs”, argumenta.


Ao longo dos quatro anos de construção da sua tese, Beraldo constatou que o uso público é, na verdade, mais simples do que se pensa. “Os visitantes de unidades de conservação querem somente ter o direito de realizar algumas atividades em contato direto com a natureza”, conclui.

*Com informações da Comunicação Social ICMBio

Com a palavra: Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (parte 1)

Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Foto: Marcos Pinto
Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. 
Foto: Marcos Pinto


A concessão público-privada a ser adotada ainda em 2017 pelo Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), ganhou holofotes e virou tema nas conversas sobre a conservação de áreas protegidas. O assunto ainda divide opiniões, principalmente quando a palavra-tabu “privatização” entra no debate. Nosso entrevistado, o biólogo Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional, esclarece  que apenas o serviço de apoio à visitação será concessionado. “As pessoas confundem muito a concessão com privatização e, não, o parque não será privatizado. A gestão do parque continuará sendo pública”.


Localizado no estado de Goiás, a 260 quilômetros de Brasília, e uma das unidades de conservação de maior expressão no Cerrado brasileiro, o “Parna Veadeiros” – como também é conhecido – vive um aumento exponencial da visitação. Em 2016, o parque alcançou o número recorde de 63.933 visitantes, mais que o triplo da visitação dez anos atrás, quando registrava 17.407 visitantes. Este inclusive é um dos pontos levantados por Fernando para demonstrar a necessidade de uma concessionária responsável pelo apoio à visitação. “A visitação no parque cresceu muito e o número de servidores não cresceu proporcionalmente ao aumento da demanda que a visitação gera. A concessão irá nos desonerar para cuidarmos das outras áreas”.



Confira aqui a entrevista que o Wikiparques fez com Fernando Tatagiba:


Wikiparques: Qual a sua história com o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros?
Fernando Tatagiba: Minha relação com o parque começou há quase 20 anos. Eu sou de Niterói (RJ) e a primeira vez que eu vim para cá [a Chapada dos Veadeiros] foi com um amigo em julho de 1997. Assim que chegamos aqui, decidimos que era onde queríamos  morar. De 97, até 2003, quando realizei o sonho de morar aqui, vinha todos ano, pelo menos duas vezes.


Em 2005, comecei a trabalhar no Ministério do Meio Ambiente (MMA) fazendo vários trabalhos de conservação pelo MMA no Cerrado e na própria Chapada. Foi Carla Guaitanele, antiga gestora do parque, quem me indicou para substituí-la no cargo. Em março de 2016,assumi a gestão do parque. Confesso que nunca imaginei que voltaria para Chapada como servidor, ainda mais como chefe do parque, mas a verdade é que eu adoro esse lugar. É o lugar que eu tinha escolhido 20 anos atrás, sabe? É uma realização profissional e pessoal plena.



Como é feito o controle do fluxo de visitação no parque?
Existe um controle feito diariamente do número de visitantes no parque e além disso, internamente, nós também fazemos o controle de quantas pessoas vão para cada atrativo. É possível ver a evolução da visitação no parque. Nos últimos dez anos a quantidade de visitantes cresceu muito, em 2006, recebemos 17.441 visitantes contra quase 64 mil em 2016.
Foto: Giovanni Zacchini
Foto: Giovanni Zacchini
Muito tem se falado sobre o futuro modelo de concessão público-privado a ser adotado no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Quais as suas expectativas sobre a concessão?
A visitação aqui no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros tem crescido muito nos últimos anos e o número de servidores não cresce proporcionalmente ao aumento da demanda que a visitação gera. A expectativa é de que a concessão permita não apenas oferecer um serviço melhor ao visitante, mas também nos desonerar para cuidarmos das outras áreas temáticas de um parque nacional.



Se formos olhar lá na Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), o objetivo de um parque nacional é a conservação de ecossistemas nativos, sendo permitidas uma série de atividades, entre elas visitação, recreação, educação ambiental e pesquisa. A visitação no Parna Veadeiros ocorre em aproximadamente 0,5% do território total do parque, mas a gestão precisa ser feita no restante da área também. Ações de proteção, fiscalização, manejo do fogo, monitoramento da biodiversidade, apoio à pesquisa. É muito difícil a gente conseguir fazer esse trabalho com qualidade, se a gente se dedica só à visitação, que gera uma demanda muito grande.





Nos dá  tranquilidade saber que o concessionário vai ter que atuar sempre observando o Plano de Manejo e as regras do parque. Por exemplo, não vai haver um aumento indiscriminado no número de visitantes por dia dentro do parque. O limite que existe hoje é de aproximadamente 500 pessoas por dia, para todos os atrativos do parque, e esse limite continuará sendo o mesmo (a não ser que seja aberto um novo atrativo, nesse caso haverá um aumento proporcional à capacidade de carga e de manejo desse novo atrativo.)


O concessionário estará atuando sob a nossa supervisão e as funções que ele vai desenvolver não são funções características de serviço público. Bilhetagem, por exemplo, a gestão de uma loja de souvenir – que hoje não temos -, de uma lanchonete, ou do camping são serviços que não se caracterizam como serviço público. Com a concessão poderemos nos dedicar mais e melhor ao trabalho de planejamento e gestão da conservação da biodiversidade, propriamente dita, planejando outras atividades e oportunidades para diversificar o uso público da unidade.
Existem muitos mitos e algumas confusões com relação à concessão. As pessoas confundem muito com privatização e, não, o parque não será privatizado. A gestão do parque continua sendo pública, continua sendo feita pelo ICMBio, continua sendo feita com a participação social.


O Conselho do parque continuará atuando, inclusive fiscalizando a concessão. Ou seja, a gestão do parque continuará sendo pública e alguns serviços vão ser prestados por um concessionário, o que não é novidade. O IBAMA, ICMBio, Ministério do Meio Ambiente, todos têm alguns serviços feitos por terceiros da esfera privada. Aqui mesmo no Parna Veadeiros, a vigilância patrimonial, o serviço de limpeza e serviços gerais sempre foram terceirizadas. Mas não existe terceirização da gestão do parque.


Como será o processo para selecionar a concessionária que atuará no parque?
Haverá um edital com dois lotes. Na página do ICMBio alguns documentos já estão disponíveis, como o Projeto Básico da Concessão, que traz uma caracterização geral do parque e da visitação na unidade, além dos serviços que serão concessionados. Também estão disponíveis os estudos de viabilidade econômica para esse serviço. O edital, propriamente dito, está em fase final de ajustes e deve ser lançado nas próximas semanas. Imagino que, no mais tardar, no início de fevereiro ele estará disponível.


O edital deve ficar aberto por aproximadamente um mês ou dois para receber propostas. Depois de encerrada esta etapa, vem um período para análise das propostas. Não tenho certeza do prazo de análise, mas pode ser de duas semanas a um mês. E, anunciado o vencedor, ele terá um prazo de 60 dias para anunciar os serviços. Então, tudo indica que no meio do ano o parque já terá um concessionário em atuação.


Hoje não há cobrança de ingressos no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Isso vai mudar?
Existe sim a previsão de cobrança de ingresso. O que estabelece o valor dos ingressos para unidades de conservação é uma Portaria do Ministério do Meio Ambiente, que delega ao ICMBio a possibilidade de fazer ajustes anuais. O preço estabelecido para Veadeiros é de 34 reais. Brasileiros têm 50% de desconto, ou seja, pagam 17 reais, e moradores da região têm um desconto de 90%, portanto pagarão três reais. E existe também a política de isenção para maiores de 60 e crianças de até 12 anos.
Amanhecer na trilha. Foto: Jayme Queiroz
Amanhecer na trilha. Foto: Jayme Queiroz


Notícias sobre incêndios no Cerrado são comuns. Como é feito o trabalho de controle de incêndios dentro do parque?
Para falar de fogo, principalmente no Cerrado, é preciso saber que o fogo é um elemento natural, que condiciona a vegetação e a composição florística do Cerrado como um todo. Mas existem vários indícios de que houve uma mudança no regime natural do fogo após a entrada do homem no Cerrado, há mais de 11 mil anos.


Atuar somente com a prevenção e o combate à incêndios tem se mostrado ineficiente. É um gasto de recursos humanos e materiais muito grande para uma eficácia muito baixa. Tanto que praticamente todo ano, na época entre agosto e outubro, começam as notícias de incêndios em unidades de conservação (UCs). Por isso, um dos projetos do parque esse ano é fazer o manejo integrado do fogo. Ou seja, fazer o manejo do regime do fogo e tentar alterar a época predominante de ocorrência do fogo aqui na UC.


Evitar grandes incêndios e, principalmente, os incêndios tardios, que são aqueles que ocorrem no auge da época seca, quando existe um grande acúmulo de combustíveis na vegetação e tendem a se tornar incontroláveis  alcançando grandes dimensões. No manejo integrado do fogo, faremos um mapeamento das queimadas que ocorreram no ano anterior, um mapeamento do acúmulo de combustível e assim orientaremos a adoção de práticas que evitem os grandes incêndios e que evitem que esses incêndios cheguem em ecossistemas mais sensíveis ao fogo, como por exemplo, as matas ciliares e as veredas.



E como funciona a brigada do parque?
A brigada é terceirizada, contratada anualmente pelo ICMBio durante um período de seis meses. Em 2016, nós tivemos 36 brigadistas aqui no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e também tivemos o apoio de dez brigadistas da Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins (TO), que ficaram conosco por um mês.



Também temos atuado na formação de uma brigada voluntária para trabalhar na prevenção de incêndios em imóveis privados no entorno da unidade. Esse trabalho é fundamental porque a maior parte dos incêndios antrópicos vem de fora para dentro. Normalmente são queimadas para renovação de pastagem ou algum outro uso relacionado à prática agropecuária. O fogo vem das fazendas e chácaras e acaba entrando no parque nacional.


Existem também focos de incêndios criminosos, principalmente na beira da estrada. Portanto, para trabalharmos a questão do fogo aqui e, acredito, em qualquer outra unidade de conservação, é fundamental trabalharmos com a comunidade.



Por isso ajudamos a treinar e equipar essa brigada voluntária.Temos também um trabalho forte de articulação e coordenação porque é essencial que esse trabalho seja afinado. Em setembro do ano passado, por exemplo, houve um grande incêndio em uma fazenda vizinha ao parque. Tivemos cinco instituições trabalhando juntas e ao mesmo tempo, de forma articulada: a brigada do parque, duas brigadas voluntárias, o Corpo de Bombeiros e o Grupo Ambientalista do Torto (GAT), que é uma brigada de Brasília que veio nos auxiliar.


Qual a importância do trabalho voluntário no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros?
A gente trabalha com o voluntariado em várias áreas de gestão do parque. O ICMBio tem um programa de voluntariado, que foi revitalizado recentemente, e, no ano passado recebemos mais de 120 voluntários. Neste momento, estamos com um time de 16 voluntários que trabalham no apoio à visitação, monitoramento de biodiversidade, ações de restauração ambiental e também em questões administrativas. O foco maior é sempre no apoio à visitação, porque a visitação aqui é muito grande e maior do que nossas pernas aguentariam sozinhas. Apenas em julho do ano passado foram mais de 12 mil visitantes. Sem o apoio dos voluntários no Centro de Visitantes ia ser bem difícil manter um trabalho de qualidade.



Por isso, na alta temporada, em janeiro e julho principalmente, além dos feriados prolongados, nós sempre temos uma equipe boa de voluntários. O processo seletivo para esse programa de voluntariado abre de tempos em tempos e nós sempre divulgamos na nossa página do Facebook.



Além disso, também realizamos mutirões de voluntariado para ações como o plantio de sementes nativas em áreas de restauração ambiental. E existem também voluntários locais que são guias cadastrados no parque, que nos ajudam em eventos e atividades de mapeamento.


Cachoeira das Almecega. Foto: Leopoldo Silva
Cachoeira das Almecega. Foto: Leopoldo Silva


Na próxima semana, a segunda parte da entrevista com Fernando Tatagiba discute os desafios para ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

Governo de São Paulo pretende vender áreas florestais

Por Sabrina Rodrigues
Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pretende entregar 34 áreas pertencentes ao Instituto Florestal à iniciativa privada. Foto: Bruno Santos/Flickr.
Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pretende entregar 34 áreas pertencentes ao 
Instituto Florestal à iniciativa privada. Foto: Bruno Santos/Flickr.


O governo de São Paulo deseja vender 34 áreas pertencentes ao Instituto Florestal. As áreas seriam as estações experimentais e florestas. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente publicou, no dia 17, chamamento público objetivando a captação de interessados, mesmo sem ter uma lei que permita a sua negociação. No ano passado, o governo concedeu à iniciativa privada a gestão de 25 unidades de conservação e estações experimentais administradas pela Secretaria do Meio Ambiente. Agora, o procedimento vai ser diferente, o setor privado vai informar as condições de seus interesses e quais as áreas são interessantes para ela. “Se não houver interesse, continua conosco”, afirmou o secretário estadual do Meio Ambiente, Ricardo Salles para o Estadão.


O secretário argumenta que essas áreas estão causando custos de manutenção maiores do que o retorno, como é o caso de áreas de pesquisa e produção madeireira de espécies de eucalipto e pinus, por exemplo. A ideia não agradou alguns pesquisadores que trabalham no Instituto Florestal, que temem pelo futuro dessas áreas, caso sejam vendidas. Embora admitam que algumas áreas estão com a produção madeireira em declínio, eles ressaltam as funções ambientais para a restauração de vegetação nativa que elas desempenham.


Fonte: Estadão