quinta-feira, 22 de junho de 2017

O Globo – Um mundo de gente


População global deve chegar a quase 10 bilhões em 2050 e passar de 11 bilhões em 2100

Em 2017, foi esti mad o que 5 0 , 4 % da população mundial é masculina, e 49,6% da população é feminina

A população mundial, atualmente em cerca de 7,6 bilhões de pessoas, deverá chegar a 8,6 bilhões em 2030, 9,8 bilhões em 2050 e 11,2 bilhões em 2100. Os números são da última revisão periódica de projeções da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgada ontem. E embora pouco difiram das previsões anteriores, feitas em 2015 e que contabilizavam apenas cerca de 100 milhões de pessoas a menos em 2030 e 2050, eles deixam patente que a tendência de aumento da população global continua mesmo com a perspectiva de queda das taxas de fertilidade.

Não que o crescimento no número de habitantes do planeta seja um problema em si. A questão é como, onde e em que contexto este aumento se dará, destacam os especialistas tanto da ONU quanto os ouvidos pelo GLOBO. Isto porque o aumento da população mundial neste século será muito desigual entre países e regiões, se concentrando principalmente nas nações mais pobres do mundo, num período que será marcado por crescente degradação ambiental e inevitáveis mudanças climáticas.

— A pegada ecológica da Humanidade hoje já é maior que a biocapacidade do planeta — lembra José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE). — Estamos vivendo no cheque especial ambiental, num ciclo de extração, produção e descarga que tem uma taxa muito mais rápida do que o planeta pode renovar seus recursos e absorver nossos restos. E se já é assim com 7 bilhões de pessoas, a situação só vai se agravar com mais 4 bilhões.
QUESTÃO É ‘SALVE A HUMANIDADE’

Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio, Sérgio Besserman vai além. Segundo ele, é preciso ter em mente que a questão não é nem nunca foi “salvar o planeta”, mas “salvar a Humanidade”, já que a biosfera da Terra viveu bilhões de anos sem um único humano nela e poderá continuar a viver tranquilamente mesmo que não reste nenhum.

— O que importa realmente não é o número de pessoas, mas o impacto ambiental que elas têm — diz. — O modo atual de produzir e consumir é insustentável para este aumento da população por degradar o planeta em uma velocidade muito maior que ele consegue se recompor para entregar os serviços que a Humanidade precisa para sobreviver, como água, solo e clima.

Besserman salienta ainda que estudos recentes apontam que a Humanidade está perto de atingir, ou já ultrapassou, os limites de funcionamento de vários sistemas terrestres, com consequências que são ao mesmo tempo inescapáveis e imprevisíveis, principalmente com relação aos três que foram superados: os ciclos de nitrogênio e fósforo, a destruição da biodiversidade e o clima.

— No primeiro caso, a questão é química: a Terra não suporta mais o nitrogênio e fósforo que usamos na atual tecnologia de produção agrícola que está na base da “revolução verde” que ajudou a alimentar o próprio aumento populacional do planeta — afirma. — E estes nitrogênio e fósforo acabam nos oceanos, produzindo “zonas mortas” cada vez maiores.

Já a crise da biodiversidade vai além da extinção dos ursos polares ou a queima de uma “Biblioteca de Alexandria” que pode nos impedir de descobrir uma molécula que cura o câncer, exemplifica.

— Estamos dizimando espécies para todo sempre na mesma velocidade que qualquer das outras cinco extinções em massa que a Terra já enfrentou — compara. — O problema é que conhecemos muito pouco sobre a vida no planeta. Não fazemos a mínima ideia de quantas espécies existem e como elas se relacionam. Ainda assim, vamos acabar com 20% delas até 2050 e não sabemos o que vai acontecer. Na economia, sempre diferenciamos risco, uma questão de probabilidade, de incerteza, que é muito mais perigosa. Podemos dar o azar de exterminarmos as espécies “erradas”, e não é algo que se faria aplicando meramente o bom senso.

Quanto ao clima, Besserman destaca que mesmo com o Acordo de Paris é praticamente impossível que a elevação da temperatura média do planeta fique abaixo dos 2°C, limite apontado pelos cientistas para evitar o pior das mudanças climáticas e seu aumento de eventos extremos como secas e tempestades.

— O Acordo de Paris é muito importante simbolicamente, mas ineficaz operacionalmente — considera. — Neste caso, já temos um mau contrato assinado e, mesmo no cenário mais otimista, com os mais 2°C na temperatura média e as mudanças climáticas decorrentes, teremos centenas de milhões de refugiados do clima no planeta.

AGRAVAMENTO DE POBREZA E DESIGUALDADE
E, com isso, a dimensão ambiental do aumento da população mundial se encontra com a social, também grave. De acordo com as projeções da ONU, o grupo de 47 países mais pobres do planeta, a grande maioria na África, já apresenta um crescimento populacional rápido, de cerca de 2,4% ao ano, devido à sua relativamente alta taxa de fertilidade, de 4,3 filhos por mulher entre 2010 e 2015. E embora este ritmo deva diminuir nas próximas décadas, a população combinada destas nações, de aproximadamente 1 bilhão este ano, vai aumentar em um terço até 2030 e atingir 1,9 bilhão, quase o dobro, em 2050, representando um desafio adicional para o cumprimento da Agenda de Desenvolvimento Sustentável da própria ONU, que preconiza a eliminação da pobreza e da fome, expansão dos sistemas de saúde e educação, igualdade de gêneros e redução da desigualdade.

— Estes países têm uma população muito jovem que, se continuar a crescer muito, continuará muito jovem — pontua Alves. — Isto cria uma alta razão de dependência demográfica que dificulta a formação de poupança. Com isso, não tem investimentos, não tem emprego e fica muito difícil resolver o problema da pobreza e da desigualdade.

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