terça-feira, 30 de maio de 2017

Área de cerrado endêmico no Vale do Paraíba será transformada em Parque

segunda-feira, 29 de maio de 2017


A criação de um parque público do cerrado em São José dos Campos ocorrerá possivelmente ainda em 2017, preservando uma formação vegetal única

Uma área na zona sul dde São José dos Campos (SP), que ainda detém o bioma de um cerrado endêmico, surgido dentro de uma área de predominância de Mata Atlântica, abrigará tanto um novo espaço com um centro de estudos. Para os pesquisadores isso é mistério a ser desvendado, pois é totalmente atípica essa ocorrência.
 
 
 
Essa mancha de cerrado, que só ocorre na zona sul para uma estreita faixa na zona leste do município, pegava também onde se encontra o aeroporto local, da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a empresa Avibras, além de alguns pontos do início da Rodovia dos Tamoios.  Atualmente a vegetação típica de cerrado só se encontra as margens da pista de pouso e decolagem e em poucos terrenos nas proximidades.
 
 
 
Os cientistas do Inpe chegaram a pesquisar a formação que surge em meio a Mata Atlântica para saber se é alguma característica peculiar do solo ou de um microclima formado na região há milhares de anos. A possibilidade é que as savanas, conhecidas no Brasil como cerrado, já existam na região há 20 milhões de anos e a Mata Atlântica a cerca de dois mil anos.
 
 
 
O pesquisador Paulo Roberto Martini, ainda nos anos 90, já salientava a importância de se preservar ao máximo essa formação, tanto em sua flora como fauna. Ele não tem dúvida que as savanas eram predominantes na região do Vale do Paraíba, inclusive no território hoje ocupado por São José dos Campos. Inclusive de onde vem o próprio nome do município.  A mancha de cerrado era muito maior, pois ocupava todos os platôs da região e a áreas serranas era de predominância de Mata Atlântica.
 
 
 
Em alguns pontos ainda é possível se ver áreas de transição, que são formadas quando existe uma diferenciação gradativa das espécies vegetais entre os dois perfis. Entre esses pontos está a Serra da Jambeiro, que faz divisa com São José dos Campos.
 
 
 
“É uma formação única, endêmica, não temos nada parecido a centenas de quilômetros daqui. Isso precisa realmente ser preservado e muito bem estudado, em algum momento no tempo geológico isso surgiu como a vegetação primária, original, e que depois foi tomada pela Mata Atlântica devido a mudanças climáticas. Mas o  nível de resiliência essa savana é muito mais alto que o da floresta. Mesmo assim estamos diante de um fenômeno único”, comentou o pesquisador do Inpe.
 
 
 
A faixa do Sudeste, Sul, Centro Oeste brasileiro, passando pelo Uruguai, grande parte da Argentina, Chile e Paraguai se encontram na faixa dos desertos do hemisfério sul do planeta. A área que pega São Paulo, Minas Gerais e Paraná, por exemplo, não são grandes desertos pelo regime de chuvas provocado pela Mata Atlântica. A própria floresta também provocou mudanças no clima costeiro do país até 100 quilômetros para dentro do continente.
 
 
 
“Note que nos períodos de estiagem essas savanas remanescentes e a própria região voltam a se comportar com um deserto. A floresta pode acabar pela interferência do homem ou pelas mudanças climáticas, mas esse cerrado permanecerá tal sua resiliência”, observou Martini.
 
 
 
A área que será o futuro parque foi trocada por uma divida com a prefeitura. Ela se encontra em bom estado de conservação. O objetivo de vereadores, técnicos da prefeitura e representantes da pastoral do meio ambiente, ligada a igreja católica, é implementar o parque e preservar sua biodiversidade o quanto antes, sem que sofra mais interferência da urbanização que a circunda ou ações que desfigurem o bioma.
 
 
 
Para isso já fizeram um debate na Câmara Municipal, que foi acompanhado por cerca de 60 pessoas. O evento foi organizado pela Diocese e que simboliza um gesto concreto da Campanha da Fraternidade 2017, que tem como tema “Biomas brasileiros e defesa da vida” e como lema “Cultivar e guardar a criação”.  A Diocese de São José dos Campos defende a preservação do bioma cerrado por meio da criação de um parque público.
 
 
 
O secretário de Urbanismo e Sustentabilidade, Marcelo Manara, reafirmou a intenção em manter as áreas de preservação integral da cidade e afirmou o interesse da prefeitura em implantar um parque do cerrado. “Existe um processo para criar um parque do cerrado na Cetesb e temos a intenção de prosseguir com o projeto”.
 
 
 
Segundo ele, uma área remanescente de cerrado de cerca de 40 hectares, que equivale a 40 campos de futebol, na região sul deve realmente abrigar o parque público. Segundo Manara, o núcleo possui grande biodiversidade de espécies, além de ser única no Estado de São Paulo.
 
 
 
Em 2010 a prefeitura concluiu um estudo com o mapeamento e levantamento florístico detalhado dos fragmentos de cerrado presentes no município. As principais manchas de cerrado cortam toda a região sul, passando pela área pertencente ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) até a região leste.
 
 
 
A pesquisa contemplou o georreferenciamento das áreas, a caracterização das fisionomias encontradas, entre espécies arbóreas, herbáceas (arbustos e vegetação rasteira) e epífitas (como bromélias e orquídeas), o levantamento florístico por amostragem e a documentação fotográfica das áreas.  Foram identificadas mais de 150 espécies, sendo que destas, 17 são endêmicas, exclusivas do cerrado da região, não ocorrendo em outras áreas de cerrado do Estado de São Paulo.
 
 
 
Segundo a bióloga Letícia Brandão, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o estudo demonstrou a existência de espécies ameaçadas de extinção do cerrado e espécies encontradas somente na região do Vale do Paraíba. Este estudo foi pioneiro no mapeamento desta vegetação dentro do bioma ‘ Cerrado no Vale do Paraíba’, se se tornou um importante instrumento para a conservação da biodiversidade regional.
 
 
 
O projeto temático Viabilidade de Conservação dos Remanescentes de Cerrado do Estado de São Paulo, coordenado por Marisa Dantas Bitencourt, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que se desenvolve no âmbito do Programa Biota-FAPESP, desenvolvido no começo do ano 2000.
 
 
 
“Embora não estivesse no nosso roteiro original, visitamos as ilhas de Cerrado do Vale do Paraíba, em São José dos Campos, Caçapava e Taubaté. Lá, nos surpreendemos ao encontrar, encravadas em pleno domínio da Floresta Ombrófila Densa (Mata Atlântica), áreas razoavelmente extensas de Cerrado com todas as fisionomias campestres: campo limpo, campo sujo, campo cerrado e cerrado stricto sensu, que não tínhamos visto nas outras regiões. Também nos decepcionamos: em razão provavelmente de incêndios, a flora do Cerrado no Vale do Paraíba é muito pobre”, comentou a pesquisadora da USP. (Envolverde)
 
 
 
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, tem 31 anos de profissão, foi da primeira turma de pós-graduação de jornalismo científico do Brasil, atuou em diversos veículos da grande imprensa brasileira, tem cursos de pós-graduações no ITA, INPE, Observatório Nacional e DCTA. Escreve para publicações nacionais  e estrangeiras sobre meio ambiente terrestre, ciência e tecnologia aeroespacial e economia. É conselheiro de entidades ambientais, como Corredor Ecológico Vale do Paraíba, foi professor universitário em jornalismo e é coautor de diversos livros sobre meio ambiente.  É colaborador Attenborough fixo da Agência Envolverde e integrante da Rebia.
 
 
 
Fonte: Envolverde

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