terça-feira, 23 de agosto de 2016

Os transgênicos e as hidrelétricas, artigo de Nagib Nassar


Publicado em agosto 23, 2016 por



transgênicos

[EcoDebate] Em seu artigo titulado Transgênicos e Hidrelétricas publicado no Estadão o professor José Goldemberg, enfatiza beneficio dos transgênicos e disse que eles são feitos para proteger plantas de pragas.


Discordo do ilustre cientista, a começar por ele dizer vantagens não verdadeiras dos transgênicos . Sabe se que o único transgênico plantado para essa finalidade no Brasil é Milho Bt. Assim o Doutor esqueceu ou fez esquecer que para essa finalidade se introduz um gene na planta que produz toxina mata insetos, fazendo a planta funcionar como fosse um inseticida!!


A toxina Bt, como mata insetos, ela intoxica o próprio humano. Frequentemente é citado na literatura que o risco para humano fica tão grande ate ser fatal. Um exemplo dessas variedades de milho Bt é a variedade milho MO 810, que é proibida para uso humano pelo próprio pais produtor e pela França, Alemanha, Inglaterra e outros países europeus. Infelizmente a variedade é autorizada no Brasil, e quem autorizou não se preocupou em nos fazer de simples cobaias!!.



Em países pobres da África foi rejeitado até como presente. A Zâmbia preferiu ver seu povo sofrer de fome de que morrer envenenado!!. Além de matar insetos invasores, a toxina Bt mata insetos úteis, como abelha de mel e outros polinizadores necessários para que a planta formar frutas.



Quando esse tipo de transgênico morre ao final de estação de crescimento, suas raízes deixam para o solo resíduos tóxicos que matam bactérias fixadoras do nitrogênio e transforma o solo em um ambiente envenenado para crescimento da bactéria fixadora do Azoto que forma fertilizante.


Assim, impede crescimento de qualquer cultura leguminosa. O fabricante desse transgênico gasta milhões de reais empregando todos os tipos de propagandas em todas as formas e todos os níveis levando ao mais alto nível o custo das sementes transgênicas, que chega a ser 130 vezes mais cara do que o preço normal. Os pequenos agricultores enganados e iludidos pela propaganda, quando não podem pagar dívidas, correm para um destino trágico que é o suicídio. Há muitos casos conhecidos da Índia, que chegou num ano só a 180 mortos.


É bom um físico falar sobre hidrelétricas, mas é questionável que se afirme dogmaticamente sobre transgênicos. E por que ele escolheu transgênicos para os associar às hidrelétricas? Será como uma fachada que esconde o mal dos transgênicos? Isto me lembra manifesto assinado por cem ganhadores de Nobel em favor de transgênicos escondendo atrás arroz dourado.


Entre esses Nobel, físicos, químicos, e até letras, e além de tudo três mortos!!
Me lembro também de um químico que foi a dez anos atrás à Câmara de Deputados, argumentando e pedindo para liberar soja transgênica, e não pelos resultados científicos, que nunca foram apresentados nem existiam, mas para não prejudicar agricultores que contrabandearam soja, conforme registros de ata da Câmara (ver link abaixo).



O nome dele é Hernan Chaimovich, diretor do Instituto de Química da USP na época e atual Presidente do CNPq. A Monsanto ganhou com liberação da soja transgênica nada menos de duzentos (200) milhões de dólares.


http://www.camara.leg.br/internet/sitaqweb/textoHTML.asp?etapa=11&nuSessao=2074/03&nuQuarto=0&nuOrador=0&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=14:30&sgFaseSessao=&Data=25/11/2003&txApelido=PL%202401/03%20-%20BIOSSEGURAN%C3%87A&txFaseSessao=Audi%C3%AAncia%20P%C3%BAblica%20Ordin%C3%A1ria&txTipoSessao=&dtHoraQuarto=14:30&txEtapa=


Nagib Nassar
Professor emérito da Universidade de Brasília http://www.geneconserve.pro.br/nassar.htm
Presidente fundador da fundação FUNAGIB ( www.funagib.geneconserve.pro.br )


in EcoDebate, 23/08/2016


"Os transgênicos e as hidrelétricas, artigo de Nagib Nassar," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/08/2016, https://www.ecodebate.com.br/2016/08/23/os-transgenicos-e-as-hidreletricas-artigo-de-nagib-nassar/.

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Lições mal aprendidas e quase esquecidas de uma primavera silenciosa: Lei 13.301/2016,

 artigo de Thiago Lustosa Jucá

Publicado em agosto 17, 2016 por



Imagem: Leve Bem

Artigo de Thiago Lustosa Jucá, biólogo e membro titular da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes da Petrobras


[Jornal da Ciência] No mundo pós-guerra, a ciência nuclear canalizava para si, não só grande parte dos recursos financeiros destinados às pesquisas científicas, como os debates da época, principalmente depois que a sociedade tomou conhecimento dos efeitos devastadores sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.


Por conta disso, as responsabilidades da ciência e os limites do progresso tecnológico foram duramente questionados. Os debates acerca dessas responsabilidades/limites ganharam ainda mais força em 1962, após a publicação de Silent Spring, que recebeu o título em português de “Primavera Silenciosa”, da bióloga marinha e escritora, a americana Rachel Carson.


Esse livro, que é considerado um marco do surgimento do movimento ambientalista no mundo, não só despertou a consciência pública para a questão ambiental, como foi responsável por mudanças que culminaram na proibição do uso do inseticida DDT nos EUA.


Em seu livro, Rachel Carson chama a atenção, de maneira clara e objetiva, para o uso indiscriminado de produtos químicos (usados como inseticidas e herbicidas), que ao contaminar todo o ambiente onde eram pulverizados, dizimavam várias espécies de animais. 


A intenção do título era evocar o extermínio das aves, como consequência da toxicidade dessas substâncias, algo notado de imediato não só pelos moradores dos locais atingidos, mas também de áreas distantes. Por isso, a autora utilizou esse título, em referência à primavera que passou a ser silenciosa, sem a presença e o canto dos pássaros.



Recentemente, em 27 de Junho de 2016, foi sancionada a Lei nº 13.301 que dispõe sobre a adoção de medidas de vigilância em saúde quando verificada situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do mosquito transmissor (Aedes aegypti) do vírus da dengue, chikungunya e zika. A Lei trata em seu art. 1º, § 3°, inciso IV, da permissão para a incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão de aeronaves mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida.


Na verdade, a sanção de tal medida vai na contramão dos estudos científicos, políticas públicas, ações governamentais e não governamentais desenvolvidos nos últimos 50 anos a respeito desse tema, em especial, depois da publicação de Primavera Silenciosa, quando a população tomou conhecimento de tal assunto.



Vale lembrar que diversas entidades nacionais se manifestaram, em vão, solicitando o veto dessa proposta. Nem mesmo todos os estudos desenvolvidos em instituições como o INCA e a FIOCRUZ, com um histórico de contribuições valiosas para a saúde pública nacional, alertando para os perigos da pulverização dessas substâncias, surtiram efeitos. O próprio Ministério da Saúde, através de nota técnica (Recomendação nº 003, de 15 de Junho de 2016), se manifestou contrário à adoção da pulverização aérea como estratégia para o combate de vetores, mesmo em situação emergencial.



O motivo de tanta preocupação por parte dessas instituições se deve ao fato de que tal medida aumentaria significativamente o risco de contaminação de pessoas e do ambiente. Quando se considera a organização desordenada das nossas cidades, o risco fica ainda mais potencializado. Cabe ressaltar que a Organização Mundial de Saúde classificou recentemente algumas das substâncias a serem utilizados em tais pulverizações, e que já são utilizados nos “fumacês”, como possivelmente carcinogênicas.



Nos EUA da década de 50, mesmo com todo o lobby da indústria contra a restrição e proibição de uso do benzeno, um carcinogênico reconhecido, o congresso e a Justiça Americana restringiram drasticamente seu uso em ambientes industriais. Com o DTT, a vitória foi ainda maior: o mesmo foi banido em 1972, o que só ocorreu no Brasil em 2009 (Lei 11.936/09), apesar da sua proibição para fins agrícolas em 1985.



Vale lembrar que tal medida (art. 1º, § 3°, inciso IV) surgiu por emenda parlamentar, ainda durante a tramitação do Projeto de Lei de Conversão nº 9/2016 (oriundo da Medida Provisória nº 712, de 29 de janeiro de 2016), na câmara dos deputados, e foi amplamente defendida pelas empresas de aviação agrícola, que serão beneficiadas com tal medida. Infelizmente, uma prática considerada fracassada no mundo e já abolida em muitos países, conseguiu se refugiar em nosso País.



Apesar de essa lei representar outro “7×1” contra nós, vale lembrar que a saúde é um direito fundamental de todo ser humano e dever do Estado (art. 196); e que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225), ambos da Constituição Federal de 1988.



Por tudo disso, a comunidade científica nacional e a sociedade devem, mais do que nunca, se mobilizar e impedir que o meio ambiente e pessoas inocentes sejam “condenados”. O DTT não representou a vitória sobre as pragas, e nem tal medida triunfará sobre os vetores; pelo contrário, como disse Rachel Carson “pela primeira vez na História, todos os seres humanos estão sujeitos ao contato com produtos químicos perigosos do momento da concepção até a morte”.



Referências Bibliográficas


Rachel Carson. Primavera Silenciosa. Ed. Guaia, Pag. 327, 2010.
Oliveira, Francisco Zuza. Nota Técnica. Considerações sobre a pulverização agrícola aérea em relação às discussões do PL 18/2015 na Assembleia Legislativa do Ceará. Fortaleza, 2016.
Guyton, KZ; Loomis D; Grosse Y; Ghissass FE; Benbrahim-Tallaa L; Guha N; Scocciant C; Mattock H; Straif K. Carcinogenicity of tetrachlorvinphos, parathion, malathion, diazinon, and glyphosate. On behalf of the International Agency for Research on Cancer Monograph Working Group, IARC, Lyon, France, The Lancet Oncology, 2015.
Patrícia Fara. Uma Breve História da Ciência. Ed. Fundamento, Pag. 436, 2014.
Lei N° 13.301, de 27 de Junho de 2016, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13301.htm)



RECOMENDAÇÃO Nº 003, DE 15 DE JUNHO DE 2016. Conselho Nacional de Saúde, CNS.
Thiago Lustosa Jucá, biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas pela UFC. Atualmente trabalha como técnico químico de petróleo na Refinaria de Lubrificantes e Derivados do Nordeste, Petrobrás, onde é membro titular da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e coordenador do Grupo de Trabalho do Benzeno.

Artigo socializado pelo Jornal da Ciência / SBPC e reproduzido in EcoDebate, 17/08/2016

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Em 2050, serão necessários quase 3 planetas para manter atual estilo de vida da humanidade

Publicado em agosto 23, 2016 por



antropoceno

Se a população global de fato chegar a 9,6 bilhões em 2050, serão necessários quase três planetas Terra para proporcionar os recursos naturais necessários a fim de manter o atual estilo de vida da humanidade, lembrou o Banco Mundial. A voracidade com que se consomem tais recursos fez as Nações Unidas incluírem o consumo em sua discussão sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030.


Se a população global de fato chegar a 9,6 bilhões em 2050, serão necessários quase três planetas Terra para proporcionar os recursos naturais necessários a fim de manter o atual estilo de vida da humanidade, segundo o Banco Mundial. A voracidade com que se utiliza tais recursos fez as Nações Unidas incluírem o consumo em sua discussão sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030.


A meta número 12 dos ODS não poupa os países desenvolvidos nem as nações em desenvolvimento. Insta todos a diminuir o desperdício de alimentos — um terço deles é jogado fora anualmente —, repensar os subsídios aos combustíveis fósseis e reduzir a quantidade de resíduos lançados sem tratamento no meio ambiente, entre outras tarefas urgentes.


A América Latina e o Caribe têm desafios importantes a cumprir em relação a esses e outros quesitos. Atualmente, a região joga fora 15% da comida que produz. Conseguiu diminuir de 1% para 0,68% o percentual do Produto Interno Bruto (PIB) gasto em subsídios para os combustíveis fósseis entre 2013 e 2015, mas alguns países ainda dedicam cerca de 10% do PIB a eles. Finalmente, cada latino-americano produz até 14kg de lixo por dia, dos quais 90% poderiam ser reciclados ou transformados em combustível caso fossem separados por origem.


Conheça a seguir quatro metas de consumo sustentável que valem para a região e para todo o mundo até 2030.

Reduzir à metade o desperdício mundial de alimentos per capita na venda a varejo

 

Estima-se que a cada ano cerca de um terço dos alimentos produzidos — o equivalente a 1,3 bilhão de toneladas, avaliadas em cerca de US$ 1 trilhão — acaba apodrecendo no lixo dos consumidores ou dos varejistas, ou estraga devido a métodos ineficientes de coleta e transporte.


A degradação e queda de fertilidade dos solos, o uso insustentável da água e a pesca excessiva estão reduzindo a quantidade de recursos naturais disponíveis para produção de alimentos. Por isso, é essencial não só pensar em formas de preservar e recuperar tais recursos, mas também de reduzir o desperdício para alimentar as 8,3 bilhões de pessoas que o planeta deverá ter até 2030.


Alcançar uma gestão sustentável e uso eficiente dos recursos naturais

 

 

A voracidade com que os recursos naturais estão sendo usados fica clara quando se observam alguns números relativos a consumo de energia. Em 2013, apenas um quinto da energia utilizada no mundo veio de fontes renováveis, como água, vento e luz solar. Todo o resto foi gerado com petróleo, carvão, gás natural e urânio.


E quais setores avançam mais rapidamente no consumo de energia? Em primeiro lugar, o de transportes: até 2020, o transporte aéreo global deve triplicar, enquanto as distâncias percorridas pelos carros aumentarão 40%. Já o uso de energia para comércios e residências fica em segundo. A boa notícia é que as medidas para poupar podem facilmente começar dentro de casa.


Segundo estimativas das Nações Unidas, se toda a população mundial começasse a usar lâmpadas de baixo consumo, seria possível economizar US$ 120 bilhões anualmente. Em 2013, apenas um quinto da energia utilizada no mundo veio de fontes renováveis, como água, vento e luz solar.


Racionalizar os subsídios aos combustíveis fósseis

 

 

Segundo o estudo Indicadores de Desenvolvimento Global (WDI), do Banco Mundial, os países mais ricos do mundo são os que mais gastam com subsídios ao petróleo, carvão e gás natural (quase 14% do PIB).


Depois, vêm as economias de renda média-baixa, que incluem países da América Central como Guatemala e Nicarágua e gastam em média 11% do PIB com subsídios. Para a ONU, os subsídios ineficientes incentivam o consumo perdulário. Para racionalizá-los — e estimular, portanto, o uso de fontes de energia que impactem menos o meio ambiente —, é preciso adotar medidas que removam as distorções do mercado, como reestruturar os sistemas tributários nacionais, segundo a instituição.


Alcançar uma gestão ambientalmente racional dos produtos químicos ao longo de seu ciclo de vida

 

 

Ao incluir essa meta no ODS 12, as Nações Unidas buscam minimizar o impacto dos resíduos químicos tanto na saúde quanto no meio ambiente. A geração de lixo tóxico per capita praticamente dobrou no mundo inteiro entre o fim dos anos 1990 e da década de 2000. Nos países de renda média, como o Brasil, a quantidade subiu de 17kg per capita entre 1996 e 2000 para 42kg entre 2006 e 2011. Mas nem de longe eles são os mais poluentes: os de alta renda, mas que ainda não se uniram à OCDE (a qual exige boas práticas nas políticas públicas), despejaram 981kg de lixo tóxico per capita entre 2006 e 2011.


Outro dado preocupante é que cerca de 200 milhões de pessoas podem ser afetadas pelos resíduos presentes em 3,000 locais em todo o mundo. Para reverter o quadro, a ONU destaca a importância de incentivar indústrias a buscar formas sustentáveis de gerenciar seus resíduos. E, ainda, de estimular os consumidores a reduzir o consumo e reciclar o lixo.


Como se vê, o conceito de consumo vai muito além do simples gesto diário de fazer compras, e torná-lo sustentável passa por uma série de desafios que envolvem toda a sociedade. É uma meta que precisará ser levada cada vez mais a sério para não causar novos danos aos limitados recursos do planeta.


Da ONU Brasil, in EcoDebate, 23/08/2016

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

"Não se pode desmatar o Cerrado de forma desordenada"




É possível conciliar a conservação dos serviços naturais do Cerrado com a produção agrícola. Mas é preciso planejar, diz Paulo Tarso de Oliveira da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 

 

 

ANA HELENA RODRIGUES (COM EDIÇÃO DE ALEXANDRE MANSUR)
18/04/2016 - 16h10 - Atualizado 18/04/2016 16h10 

O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul (fica atrás somente da Amazônia) e ocupa uma área de 2 milhões de km2. Esse valor corresponde a cerca de 22% do território nacional. Localizado na porção central do Brasil, ele contribui para formação de importantes bacias hidrográficas, como as dos rios Tocantins-Araguaia, São Francisco, Paraguai, Paraná e Parnaíba e abrange 10 das 12 grandes regiões hidrográficas do país.


A água proveniente dessas bacias hidrográficas é crucial para o abastecimento humano, manutenção de funções em outros biomas como o Pantanal e a Caatinga e para o fornecimento de água para a indústria, agricultura e navegação. Além disso, várias usinas hidrelétricas do Brasil usam águas provenientes da região de Cerrado, tais como Itaipu, Tucuruí, Iha Solteira, Xingó e Paulo Afonso.

>> " A agricultura depende das chuvas alimentadas pelo Cerrado"


Por não ser tão protegido como a Amazônia (que tem 18% de suas terras desmatadas), a vegetação característica do cerrado tem dado lugar a fazendas de soja, algodão e pastagens para gado. De acordo com o último levantamento feito em 2010 pelo Ministério do Meio Ambiente, metade da área nativa do Cerrado já foi desmatada para agricultura e pecuária, que hoje contribui com uma parcela de 23% do Produto Interno Bruto brasileiro. Essas modificações na vegetação nativa podem ter graves consequências para a economia e para o meio ambiente, como alerta Paulo Tarso de Oliveira, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul que pesquisa a influência da ocupação e uso do solo na região. “Não se pode desmatar de forma desordenada e fazer ocupação do solo sem entender quais as consequências disso.”

>> O desmatamento do Cerrado afeta o ciclo de chuvas da região



Matopiba é a nova fronteira agrícola brasileira  (Foto: Ernesto de Souza/Editora Globo)
Além de influenciar os ciclos de águas superficiais, o Cerrado também pode alterar as reservas hídricas subterrâneas.“Os aquíferos do Bambuí, Urucuia e Guarani se encontram em áreas de Cerrado e alterações no seu balanço hídrico interferem nas taxas de recarga”, diz Oliveira. “Boa parte das áreas de afloramento do Aquífero Guarani encontra-se nessa região o que o torna mais suscetível à poluição e a outros problemas.” Leia abaixo a entrevista.


>> Estudo mostra que devastação do Cerrado afeta ciclo de chuva na região



ÉPOCA: Quais têm sido as consequências da expansão da agricultura no cerrado?
Paulo Tarso de Oliveira: Conciliar a produção de alimentos e o desenvolvimento econômico com a conservação do Cerrado é um dos grandes desafios para o Brasil, já que a agricultura é responsável por 23% do Produto Interno Bruto brasileiro. Segundo a Embrapa, nos anos de 2009 a 2010, 54% da soja, 95% do algodão, 23% do café, 55% de carne bovina e 41% do leite foram produzidos na região de Cerrado. Grande parte dessa produção é destinada à exportação.


Quando se remove a vegetação natural se reduz a capacidade do solo de absorver a chuva e se retira a camada de matéria orgânica e folhas mortas, que reduzem o impacto das gotas de chuva e facilita a entrada da água no solo. O escoamento superficial (água não absorvida pelo solo) no cerrado é em torno de 1%, ou seja, de toda chuva que cai em uma área de cerrado, somente cerca de 1% escoa superficialmente. Já em uma área sem vegetação - como as preparadas para agricultura - esse valor chega a ser 20 vezes maior. Isso diminui a umidade do solo e prejudica a própria agricultura.


>> Planos para o Cerrado comprometem metas de clima e biodiversidade


ÉPOCA: O que tem mostrado os resultados de sua pesquisa?
Oliveira: Nossos resultados sugerem que mudanças no uso do solo (como, por exemplo, a substituição do Cerrado para cultivo agrícola) têm o potencial de intensificar a erosão de 10 a 100 vezes. Em relação à umidade do ar, quando o cerrado nativo é substituído por uma área de agricultura ou de pastagem a tendência é diminuir as taxas de evaporação e transpiração das plantas. A água de evaporação e transpiração é a que sobe para a atmosfera e forma as chuvas. Além disso, os aquíferos do Bambuí, Urucuia e Guarani se encontram em áreas de Cerrado e alterações no seu balanço hídrico interferem nas taxas de recarga. Boa parte das áreas de afloramento do Aquífero Guarani encontra-se nessa região o que o torna mais suscetível à poluição e a outros problemas.Um dos objetivos do nosso estudo é entender como funcionam os processos de uso e ocupação do cerrado que possibilite um ordenamento do solo, determinando o tipo de problema que tem cada região e assim estabelecer o melhor tipo de cultura e técnica de plantio, deixando a agricultura o mais eficiente possível.

>> Em um ano, Cerrado perdeu equivalente a três cidades do RJ pelo desmatamento



ÉPOCA: Por que o desmatamento no cerrado tem aumentado tanto?
Oliveira: A Amazônia tem um levantamento anual do desmatamento. Para o cerrado, o último levantamento oficial do governo foi feito em 2010 e aponta que 50% da vegetação natural já foi substituída por áreas de pastagem e agricultura. A condição de topografia (relevo plano e suave ondulado) e solos adequados para mecanização agrícola, além das poucas áreas protegidas por legislação, a falta de um rígido programa de monitoramento e as pressões nacionais e internacionais para diminuição do desmatamento na Amazônia tem indicado que o Cerrado continuará sendo principal região para expansão agrícola no Brasil. O Novo Código Florestal determina que em propriedades rurais localizadas na Amazônia, a reserva legal seja de 80% enquanto que para o Cerrado esse valor é de 35%.


>> “Trocar o Cerrado por cultivos é um péssimo negócio e não se sustenta a longo prazo”


ÉPOCA: De que maneira o Cerrado pode ser protegido?
Oliveira: A responsabilidade de proteção deveria partir do setor público. Na minha opinião, a gente teria que mapear o cerrado e determinar qual região deve ser preservada. A agricultura e pecuária devem ser feitas de forma mais planejada, temos informação e condição para isso. Não se pode desmatar de forma desordenada e fazer ocupação do solo sem entender quais as consequências disso. As alternativas para diminuir os impactos da agricultura sem prejudicar a economia do país são identificar as áreas que podem ser desmatadas para plantio e pastagem, otimizar a agricultura para que as áreas cultivadas produzam mais, determinar as regiões mais indicadas para cada tipo de plantio e disponibilizar as informações para que os agricultores tomem decisões. Devem existir leis para isso.

>> A Amazônia, o Cerrado e seu inimigo em comum


ÉPOCA: Que tipo de leis?
Oliveira: Na hora que o agricultor for solicitar um financiamento, o subsídio seria liberado somente se o agricultor seguir as orientações do governo de acordo com os estudos prévios. A partir daí é possível direcionar o uso do solo fazendo com que a nossa agricultura se torne eficiente. Também é preciso que o produtor rural use técnicas de conservação do solo.


 É preciso orientar o agricultor sobre como fazer o plantio em curvas de nível, que impedem que a água da chuva ganhe velocidade e arraste terra e nutrientes e também evitar a monocultura, que empobrece o solo. Sempre deve-se alternar o produto cultivado e manter o solo coberto  com matéria orgânica para evitar a erosão. Isso beneficia o próprio produtor rural que vai ter um solo mais úmido e produtivo, porque não perde nutrientes.


 Quando há perda de solo por erosão, o agricultor perde financeiramente. Imagina a preparação do solo com adubo e cal, boa parte disso ele perde arrastado pela água da chuva. Os produtos podem ficar retidos em áreas mais baixas ou até atingir um rio, o que causa outro problema, pois prejudica a qualidade da água. Não evitando a erosão, gasta-se mais dinheiro para recuperar o solo para plantio. As áreas degradadas ficam cada vez mais improdutivas.

>> Bernardo Strassburg: "O combate ao desmatamento precisa se focar no Cerrado"


ÉPOCA: Há exemplos de países que conseguiram diminuir o impacto da agricultura no meio ambiente?
Oliveira: Um exemplo de país com agricultura otimizada é os Estados Unidos. Os problemas de erosão lá começaram a ser estudados na década de 1930 quando o governo implantou técnicas de conservação do solo. Já naquela época criou-se o Serviço de Conservação do Solo, SCS na sigla em inglês, para monitorar as áreas e testar os componentes de erosão.


Hoje em dia, os produtores rurais recebem incentivo financeiro para manter a área bem cuidada ambientalmente. Uma estrutura muito grande foi construída e serve como base para pesquisa de outros países, inclusive. Tudo isso foi feito por iniciativa do governo. Comemoramos o Dia Nacional da Conservação do Solo  (Lei Federal n. 7.876, de 13 de novembro de 1989) em 15 de abril como homenagem ao nascimento de Hugh Hammond Bennett (15/04/1881- 07/07/1960), considerado o pai da conservação dos solos e o principal responsável pela criação do SCS.

Cerrado perdeu biodiversidade para além do limite seguro, diz pesquisador




Estudo publicado na Science mostra que mais da metade do planeta está com os biomas comprometidos 

 

 

BRUNA DE ALENCAR, COM EDIÇÃO DE BRUNO CALIXTO
25/07/2016 - 17h48 - Atualizado 25/07/2016 18h33



Incêndio atinge área de floresta do Cerrado em Brasília (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)



A biodiversidade mundial está ameaçada, e não é de hoje. De acordo com um estudo publicado na revista americana Science, o número de espécies nativas está abaixo do limite seguro para  a manutenção de um ecossistema saudável em 58% da superfície terrestre. O estudo, liderado por pesquisadores do Reino Unido, Austrália, Suíça e Dinamarca, é a análise mais abrangente da mudança global da quantidade de espécies nativas realizada até o momento.


>> "Não se pode desmatar o Cerrado de forma desordenada"



O estudo levou em consideração os limites estipulados pelo Índice de Biodiversidade Intacta (Biodiversity Intactness Index, em inglês), criado por pesquisadores do Postdam Institute for Climate Impact Research, na Alemanha. De acordo com esse índice, uma área natural deve manter 90% de sua biodiversidade. Se essa taxa cair, ações como polinização, decomposição de resíduos e regulação do ciclo de carbono podem ser comprometidas.


Os pesquisadores usaram esse índice para avaliar quantitativamente as alterações, usando um banco de dados de mais de 2,3 milhões de registros de 39.123 espécies que vivem em 18.659 locais diferentes. Os resultados mostram que a biodiversidade global caiu para 84,6%, portanto abaixo do limite seguro. O estudo levou em consideração os números de 2005.



Em entrevista a ÉPOCA, o pesquisador Tim Newbold, um dos autores do estudo e membro do Centro de Biodiversidade e Investigação Ambiental (CBER), da Universidade College London, na Inglaterra, contou que o impacto das pressões de uso da terra sobre a biodiversidade varia por bioma. A análise indica que nove dos 14 biomas terrestres estão fora do limite de segurança sugeridos para a biodiversidade. No Brasil, a Amazônia ainda está no limite seguro. Já o Cerrado perdeu espécies para muito além desse limite.



ÉPOCA - Quais são os fatores que mais comprometem a biodiversidade?
Tim Newbold -
As mudanças do uso da terra [que inclui o desmatamento e a perda de outros hábitats naturais, como pastagens e terras secas] são as ameaças mais relevantes no momento. As mudanças climáticas também podem apresentar um desafio adicional para a conservação da biodiversidade. Mas, em nosso estudo, dizemos que a perda da biodiversidade pode ser retardada ou até mesmo revertida se conseguirmos preservar e restaurar o restante dos hábitats naturais.

ÉPOCA - Quais são os impactos visíveis da perda de espécies?
Newbold -
Nem sempre é fácil identificar os impactos da perda da biodiversidade. De modo geral, a redução da biodiversidade tem afetado a polinização das culturas, afetando diretamente a agricultura. Além disso, a redução da biodiversidade compromete a habilidade dos ecossistemas de se proteger contra as mudanças climáticas.



ÉPOCA - Alguns teóricos sugerem que devemos lidar com espécies invasoras e assimilar o que elas trazem ao novo ambiente. O que o senhor acha?
Newbold -
Nós não sabemos ainda quanto e como as espécies invasoras podem contribuir para o funcionamento dos ecossistemas. Por outro lado, sabemos que em muitos casos a introdução de novas espécies pode ser muito prejudicial para a biodiversidade nativa. A movimentação das espécies é inevitável, por isso ainda precisamos de mais pesquisas sobre os efeitos das espécies invasoras em ecossistemas nativos.



ÉPOCA - Devemos nos preocupar com a perda de diversidade em alguns biomas brasileiros, como o Cerrado, por exemplo?
Newbold -
Nós estimamos que a taxa da perda da biodiversidade nas pastagens tropicais e savanas, incluindo o Cerrado, foram muito além do limite seguro. Nessas áreas, a capacidade da biodiversidade de proteger as funções do ecossistema pode estar enfraquecida. Por outro lado, a Amazônia ainda está dentro do índice e é o lugar onde ainda há espaço para esforços de conservação para manter as áreas verdes dentro do limite seguro.



ÉPOCA - Parece razoável que o país com maior biodiversidade do mundo tenha índice pior que os outros. A comparação foi feita entre países com quantidades equivalentes de espécies?
Newbold -
Nossas previsões não consideraram as diferenças de biodiversidade natural; portanto, a um deserto é dado o mesmo peso de uma floresta tropical. Estamos planejando analisar cada país em uma pesquisa futura, mas nós não processamos esses dados ainda.

Criminosos mudaram a metodologia do desmatamento ilegal da Amazônia


Dados do Imazon mostram que o desmatamento ilegal está sendo feito no período chuvoso. A estratégia é uma tentativa de evitar o monitoramento por satélite

BRUNO CALIXTO
26/07/2016 - 18h51 - Atualizado 26/07/2016 20h17 
 
Na semana passada, o Imazon publicou dados preocupantes sobre o desmatamento da Amazônia. O monitoramento por satélite mostrou um aumento expressivo no desmatamento no primeiro semestre deste ano, especialmente no mês passado.

>> A reinvenção da Amazônia

Os números foram particularmente ruins para o Pará. O estado foi responsável pela metade do desmatamento registrado, o que preocupou as autoridades locais, já que o Pará vinha reduzindo a derrubada nos últimos anos. Justiniano Netto, secretário executivo do Programa Municípios Verdes, do governo do Pará, conversou com ÉPOCA sobre as novas medidas que serão adotadas para tentar reverter a tendência do desmate.

Para Justiniano, os dados do Imazon relevam uma mudança de metodologia de quem desmata ilegalmente a Amazônia. Os desmatadores estão aproveitando o período chuvoso, quando as nuvens impedem a fiscalização por satélite, para derrubar a floresta sem ser detectados.
Floresta queimada na Amazônia (Foto: Erika Berenguer)



ÉPOCA – Como o governo do Pará recebeu os números mostrando a alta expressiva no desmatamento?
Justiniano Netto –
Com preocupação. Até maio, o desmatamento vinha numa redução de 20%, que era a tendência dos últimos anos. A alta de agora é significativa porque ela vem com o acumulado do primeiro semestre. Isso porque o primeiro semestre é o período de chuvas, e as nuvens dificultam o monitoramento por satélite. Quando começa o verão amazônico, em junho e julho, as nuvens se dissipam e os satélites conseguem ver mais. Os dados mostram que não houve mudança de local, o desmatamento ainda está concentrado no oeste do Pará, mas há algumas áreas novas sendo exploradas. Por isso reorientamos a fiscalização em campo.



ÉPOCA – Quais são essas novas áreas sendo abertas?
Justiniano Netto –
No Pará, o desmatamento ocorre sobretudo na parte oeste. São áreas de jurisdição federal, geralmente glebas devolutas, de florestas que ainda não foram destinadas e existe ali uma ocupação de grilagem, especulação fundiária. É necessário uma ação conjunta. A Secretaria de Meio Ambiente está agindo, mas a área é muito grande, é preciso somar esforços com Ibama, forças federais para que não aumente. As áreas novas ainda são no oeste. A gente percebe aumento na Calha Norte, onde não tinha pressão tão grande. Na APA do Xingu, que fica entre Altamira e São Félix do Xingu, há duas operações em campo, uma do Ibama e uma da Secretaria. Em junho, os desmatadores fugiram mais para a ponta da APA. Então as equipes estão sendo acionadas para esses locais.



ÉPOCA – O que fez mudar a tendência de queda no desmatamento? Por que o desmatamento voltou com tanta força agora?
Justiniano Netto –
Nós percebemos que houve uma intensificação da ação no período chuvoso. Normalmente, o desmatamento ocorre no período de seca. Porque quando chove os desmatadores enfrentam um problema de logística. O carro atola, é difícil se locomover. Nos últimos anos, notamos a tendência de desmatar no período chuvoso para escapar do monitoramento dos satélites. Foi uma mudança de metodologia dos criminosos que se intensificou neste ano. Eles pararam de desmatar no verão, porque na seca os satélites dão o alerta e em 48 horas você já coloca uma equipe no local. No inverno amazônico, por causa das nuvens, não. Só conseguimos flagrar o desmatamento com sobrevoo ou denúncia. O Pará é gigante, e sobrevoar a região no período chuvoso não é fácil.



ÉPOCA – A previsão é que a Amazônia enfrente uma seca muito forte nos próximos meses. O clima pode piorar ainda mais a situação?
Justiniano Netto –
O ano passado foi muito seco e com queimadas intensas. Este ano tende a ser seco novamente. Tanto que o Acre está em estado de emergência – lá o verão começa um pouco antes do que no Pará. Os anos em que a seca é muito intensa propiciam o desmatamento. Porque muitas vezes os produtores, de forma oportunista, aproveitam o fogo por causas naturais para desmatar. Muitas vezes o fogo é acidental. Se ele tomar cuidado, deixar a floresta se regenerar, recupera. Mas se ele aproveita a queima para em seguida fazer o desmatamento, aí o acidental se torna criminoso. Por isso esse aumento pode estar associado com a questão climática. Mas ainda não é uma tese 100% confirmada.



ÉPOCA – Como coibir esse desmatamento sem o apoio dos satélites?
Justiniano Netto –
Nossa expectativa é rever a estratégia e intensificar as operações. Equipes que estavam em outras atividades estão sendo acionadas, pelo menos por enquanto, para colocar a maioria de fiscais e do corpo do batalhão ambiental focada no desmatamento. Vamos sentar na semana que vem com o Ministério do Meio Ambiente [a reunião estava marcada para terça-feira (26)]. Então o objetivo é reforçar e ver o resultado disso nos dados de julho. Nossa expectativa é reverter a tendência. Se a tendência for mantida, aí teremos de ver quais outras medidas, mais enérgicas, poderão ser adotadas.


O que vamos fazer também é um encontro com a sociedade civil. Uma roda de conversa. Vamos ouvir outros especialistas, trazer as pessoas de campo. O governo não pode achar que sabe tudo sozinho, então é bom ouvir que novas ideias podem ser aplicadas. Em 2008 e 2009 houve um repique do desmatamento na Amazônia, e naquela ocasião saiu uma série de medidas inovadoras – a lista de municípios embargados, a responsabilização da cadeia produtiva da carne, um trabalho de ordenamento com frigoríficos, o Banco Central soltou uma medida apertando o financiamento. Quando você tem um repique desses, é bom ouvir as pessoas.

O preço do legado do Parque Olímpico da Barra


Assim que a Olimpíada acabar, o município do Rio de Janeiro terá uma conta de pelo menos R$ 1,3 bilhão a pagar para manter as instalações usadas no coração do evento

RODRIGO CAPELO
04/08/2016 - 18h00 - Atualizado 04/08/2016 18h50 
 
O cidadão já sabe quanto custou a construção das instalações esportivas da Olimpíada do Rio de Janeiro – R$ 7 bilhões, segundo a quarta e última atualização da matriz de responsabilidades feita pela Autoridade Pública Olímpica (APO). Mas a conta não termina aí. Assim como o brasileiro ainda paga a Copa do Mundo, por causa da manutenção dos estádios usados pela Fifa, o carioca ainda vai pagar por muito tempo pelos equipamentos deixados pelos Jogos Olímpicos. Só o Parque Olímpico da Barra, o coração do evento, vai custar pelo menos R$ 1,3 bilhão até 2041 para a prefeitura.
Há mais de um legado em eventos como a Olimpíada. A mobilidade urbana, o ambiental. Aqui nos concentramos apenas no esportivo.


A prefeitura do Rio dividiu o legado do Parque Olímpico em dois pacotes. O primeiro tem tudo o que vai dar dinheiro – edifícios comerciais e residenciais serão construídos em 40% da área, valorizada pela nova infraestrutura e pelo acesso facilitado pelo novo BRT (corredores exclusivos de ônibus). O segundo tem tudo o que só gera gasto: a Via Olímpica, o Live Site (um gramado circular à beira da lagoa) e as arenas olímpicas. A ideia do prefeito Eduardo Paes (PMDB) era privatizar os dois pacotes para consórcios.


Parque Olímpico da Barra, no Rio de Janeiro (Foto: Miriam Jeske / Rio2016.gov.br)


A primeira privatização atraiu interesse. Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken formaram o consórcio Rio Mais, participaram da licitação e assinaram o contrato em abril de 2012. O consórcio foi o único a concorrer. Na construção, a prefeitura cedeu terrenos avaliados em R$ 850 milhões e investiu R$ 385 milhões nas obras das instalações esportivas para os Jogos.


As empreiteiras tomaram R$ 1,4 bilhão emprestados com a Caixa e tocaram a construção. Assim que os Jogos acabarem, o município colocará mais R$ 150 milhões para ajudar na manutenção. As construtoras fazem dinheiro com os empreendimentos imobiliários por 15 anos, pagam gastos e tentam lucrar tanto quanto puderem por 15 anos.


A segunda privatização ainda não saiu. O edital dela foi lançado só em julho de 2016. Nela, a prefeitura é mais generosa. Ela calcula que as instalações esportivas – o Velódromo, o Centro Olímpico de Tênis, a Via Olímpica, o Live Site e as Arenas Cariocas 1, 2 e 3 – custarão em média R$ 37,2 milhões em cada um dos próximos 25 anos.



Eduardo Paes quer que um parceiro privado assuma a operação desse segundo pacote, mas, ciente de que o interesse por ele é menor, promete bancar a maior parte dos custos com dinheiro público – R$ 32,8 milhões anuais. Isso blinda uma eventual concessionária contra prejuízos, como os registrados por todos os estádios públicos da Copa. O resultado da concorrência ainda não saiu. O processo estava previsto para ser concluído nesta sexta-feira (4), mas a prefeitura o adiou porque o edital ainda passa por análise do Tribunal de Contas do Município (TCM-RJ).


O plano de negócios montado pela prefeitura prevê que a concessionária desse segundo pacote arrecadará, no período da concessão, cerca de R$ 30 milhões por ano com as instalações esportivas. O dinheiro viria de naming rights (o direito de rebatizar um equipamento esportivo com uma marca), patrocínios e bilheterias. A julgar pelos resultados das arenas da Copa, inferiores aos projetados por órgãos públicos e privados em todas as praças, é prudente não supor que arenas olímpicas vão gerar tanta receita.

>> A Copa não acabou


A licitação desse segundo pacote ainda embute uma série de custos para a prefeitura. A Arena do Futuro, casa do handebol durante a Olimpíada, será desmontada após o evento e seus materiais serão reutilizados na construção de duas escolas. Reutilizar material é bom, mas sai caro. O custo para o setor público é de R$ 80 milhões para demolir e R$ 106 milhões para reconstruir. O Estádio Aquático vai na mesma linha. A prefeitura quer pagar R$ 107 milhões para desmontá-lo e mais R$ 39 milhões para construir piscinas olímpicas noutro lugar. A desmontagem de galerias técnicas do Centro Principal de Imprensa (IBC, na sigla em inglês) custa R$ 11 milhões.


No legado esportivo da Olimpíada – lembramos que ainda há legados em mobilidade e meio ambiente a serem considerados numa análise mais ampla –, o planejamento da prefeitura tornou o prejuízo inevitável. Uma solução seria vender e montar pacotes que unissem propriedades rentáveis (os empreendimentos imobiliários) e outras apenas geradoras de custo (as instalações esportivas) – o comprador levaria o suco e o bagaço da laranja. Paes deixou o suco para as construtoras, e ninguém quis o bagaço. Ficou para o cidadão.


Na hipótese de a prefeitura conseguir alguém que assuma o bagaço, a soma a ser desembolsada pelo cidadão é de R$ 1,3 bilhão em 25 anos – sem contar a inflação. Se ninguém aparecer e a prefeitura assumir as despesas, o valor a ser gasto com a Olimpíada até 2041 é de, no mínimo, R$ 1,4 bilhão. Isso se os valores calculados pelo estafe do prefeito no plano de negócios do Parque Olímpico, um documento que faz parte da licitação, não estiverem subestimados. Se a projeção da prefeitura estiver equivocada, a conta ficará mais cara.


Paes foi procurado por ÉPOCA por três semanas para se posicionar a respeito do legado da Olimpíada, mas não deu retorno.

Programa integrado às obras do São Francisco reintroduz 116 mil animais na natureza




Nesta terça-feira, será a vez de 50 papagaios

MURILO RAMOS
23/08/2016 - 04h00 - Atualizado 23/08/2016 10h15
Papagaios resgatados durante obras no rio São Francisco serão devolvidos à natureza (Foto: Ministério da Integração Nacional)


Nesta terça-feira (23), 50 papagaios serão reintroduzidos na natureza após terem sido resgatados durante etapas das obras do projeto de Integração do Rio São Francisco. Até agora, 133 mil animais foram resgatados. Destes, 116 mil já foram reintegrados a seus habitats, entre aves, tatus, calangos e veados.


O Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna) é o responsável pelo trabalho, resultado de uma parceria entre o Ministério da Integração Nacional e a Universidade Federal do Vale do São Francisco.


Entre os animais em recuperação há três ameaçados de extinção: um gato-do-mato, um mocó da caatinga e um gato-mourisco.


>> Dragagens em pontos do Rio São Francisco deverão facilitar a captação de água

Despoluição da Guanabara não despoluiu nada – e ainda estamos pagando juros




O primeiro programa de despoluição começou em 1994. Ele não despoluiu a baía e resultou no pagamento de R$ 700 milhões em juros. O segundo, atualmente em andamento, não baterá a meta

BRUNO CALIXTO
29/07/2016 - 08h00 - Atualizado 29/07/2016 22h20
Trabalhadores retiram o lixo retido na "eco-barreira" na entrada da Baía de Guanabara, em Duque de Caxias, no Rio (Foto: YASUYOSHI CHIBA / AFP)


Em 2009, o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, prometeu o que seria talvez um dos maiores legados da Olimpíada para o Rio: tratar 80% do esgoto despejado na Baía de Guanabara. Hoje, às vésperas do início dos Jogos, estamos longe desse número. O Rio criou infraestrutura para tratar 48% do esgoto. Porém, por falta de tubulações, menos de 40% é realmente tratado. A maior parte do esgoto segue sendo despejada na Baía de Guanabara. De todas as decepções com a Olimpíada do Rio, a falta de um legado para a Guanabara é o mais triste.


>> Promessas ambientais da Olimpíada ficaram no papel


A história da despoluição da Guanabara, entretanto, não começa com os Jogos. Políticos cariocas prometem limpar as águas da baía há 20 anos. Não só esses programas falharam, como ainda estamos pagando juros pelo fracasso. Um estudo publicado nesta sexta-feira (29) pela ONG Artigo 19 expõe esses valores. A Artigo 19, uma organização que atua na área de transparência e liberdade de expressão, entrou com pedidos pela Lei de Acesso à Informação para conseguir os dados dos financiamentos da despoluição da Guanabara.


O primeiro projeto começou em 1994, com o nome de Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG). Ele recebeu três financiamentos. Dois foram do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), somando R$ 1,4 bilhão, e um da Japan International Cooperation Agency (Jica), de R$ 1,1 bilhão. Ou seja, o governo do Rio tinha R$ 2,5 bilhões para tratar os esgotos e despoluir a baía. Segundo o relatório, a maior parte do valor foi gasta em Estações de Tratamento de Esgoto. O problema é que elas não estão funcionando em capacidade máxima, faltam ligações domiciliares na região da baía e os municípios vizinhos ficaram de fora do projeto. Isso sem falar em acusações de irregularidades que vão de atrasos a superfaturamento de obras.


Quando o programa terminou, em 2006, a baía não estava despoluída e não foram feitos grandes ganhos em termos de tratamento de esgoto no Rio. Mas houve um legado: o juro dos financiamentos. Os dados do relatório mostram que o Rio já pagou R$ 1,2 bilhão do valor contratado e mais R$ 740 milhões em juros e correção monetária.


Após a falência do primeiro projeto, o Rio iniciou um novo programa, agora chamado de Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (Psam). Esse programa recebeu novo empréstimo do BID, mesmo após o fracasso do projeto anterior. Segundo o relatório, o BID considerou os resultados anteriores como "insatisfatórios", mas deu um voto de confiança para o Rio.


O Psam recebeu mais R$ 1,1 bilhão em 2011, com o objetivo de cumprir a meta de 80% de tratamento de esgoto até a Olimpíada. Essa meta já foi abandonada pela governo. Segundo recente reportagem da Folha de S.Paulo, o governo estima em R$ 12 bilhões o montante necessário para universalizar o saneamento básico na região.


O Psam ainda está em andamento, mas o temor de que ele também fracasse, deixando apenas uma grande dívida, é grande. "Para que o Psam seja efetivo, é imprescindível um rigor maior na fiscalização e monitoramento nos gastos do dinheiro público e, para isso, a transparência do uso dos recursos se faz necessária", diz o relatório.



O texto também fez uma avaliação dos mecanismos de transparência nos programas de poluição. O estudo pode ser encontrado, na íntegra, no site da organização a partir desta sexta-feira.