terça-feira, 16 de agosto de 2016

O mito da economia verde e o aumento da extração de recursos naturais.


“Por mim ficaria contente se todos os prados do mundo ficassem em estado selvagem como consequência das iniciativas dos homens para se redimirem”

Henry Thoreau (1817-1862)


A ideia de economia verde, assim como as propostas de desenvolvimento sustentável, são iniciativas que tentam defender a continuidade do crescimento econômico, mas com uma capa de inclusão social e de redução da degradação ambiental.

A Iniciativa Economia Verde da ONU (Green Economy Initiative, da UNEP) define a Economia Verde como aquela que resulta em melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais, a escassez ecológica e a perda de biodiversidade. Ela tem três características preponderantes: é pouco intensiva em carbono, eficiente no uso de recursos naturais e socialmente inclusiva (2011, p.7)

Porém, considerar que se pode atingir estes objetivos da Economia Verde por meio do crescimento econômico é ignorar a observação de um dos fundadores da economia ecológica, Kenneth Boulding, que disse: “Acreditar que o crescimento econômico pode continuar infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista”.

A economia verde só seria viável em um quadro de decrescimento econômico, com redução do metabolismo social (“modelo extrai-produz-descarta”) e a diminuição da degradação ambiental. Mas o que tem acontecido nos últimos 240 anos é um enorme crescimento demoeconômico com grande agressão ao meio ambiente.

Entre 1776 e 2016, a população mundial cresceu 9,5 vezes e a economia global multiplicou por cerca de 125 vezes. Em 240 anos, o crescimento anual da população ficou em torno de 0,9% ao ano e a economia em torno de 2% ao ano. Sendo que o período de maior crescimento demoeconômico ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial, quando a população passou de cerca de 2,5 bilhões de habitantes para quase 7,5 bilhões de habitantes em 2016 e a média anual de crescimento do PIB ficou acima de 3,5% ao ano. O consumo de matérias primas e de recursos naturais cresceu de maneira exponencial. Este processo trouxe muito lucro para a humanidade (por exemplo, aumentou a esperança de vida ao nascer de cerca de 25 anos em 1800 para 72 anos em 2016), mas provocou grandes prejuízos para a natureza e a biodiversidade.

O crescimento das atividades antrópicas provocou o desmatamento das florestas para explorar as madeiras de lei, fazer carvão e ampliar as atividades da agricultura e da pecuária. Represou rios, drenou pântanos, alterou a paisagem natural. Danificou os solos, ampliou as áreas desérticas e gerou desertos verdes que provocam a defaunação. Os oceanos tendem a ter mais plásticos poluidores do que peixes. Dezenas de milhares de espécies desapareceram e outras centenas de milhares estão em riscos de extinção. Para manter o crescimento econômico a terra foi revolvida para extrair minérios, para buscar petróleo no fundo do subsolo e para outros usos que emitem gases de efeito estufa que alteram a química da atmosfera, provocando o aquecimento global e a acidificação dos solos e das águas, além do aumento do nível dos mares, o que ameaça bilhões de pessoas que vivem ou dependem das áreas costeiras.

Portanto, o que tem acontecido desde o início da Revolução Industrial e Energética é o aprofundamento de uma economia “marrom” que tem provocado grande dano ambiental (além de grande desigualdade social). Até agora a economia verde e o desenvolvimento sustentável são apresentados como utopias, mas na prática são apenas distopias.

O próprio UNEP mostra que o mundo está longe de cumprir as metas da economia verde. O desacoplamento e a desmaterialização têm sido apenas ilusões. O relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016) aponta que, enquanto a população mundial duplicou de tamanho, a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas arrancadas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas em 2010, com os países mais ricos consumindo duas vezes mais do que a média mundial.

O aumento do uso de materiais globais acelerou rapidamente nos anos 2000, com o crescimento das economias emergentes, em especial com o crescimento da China que passou por grandes transformações industriais e urbanas que demandaram enorme quantidade de matérias-primas, de ferro, aço, cimento, energia, material de construção, etc. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010.

Se a extração de recursos continuar, em 2050, haverá uma população de 9 bilhões de habitantes e uma demanda de 180 bilhões de toneladas de material a cada ano para atender às demandas antrópicas. Esta é a quantidade quase três vezes a situação atual e provavelmente vai aumentar a acidificação dos terrenos e das águas, a eutrofização dos solos do mundo e dos corpos de água, além de aumentar a erosão e aumentar a poluição e as quantidades de resíduos.

O mais grave é que, desde 1990, tem havido pouca melhoria na eficiência no uso dos materiais globais. Na verdade, a eficiência começou a declinar por volta do ano 2000. A economia mundial atual precisa de mais material por unidade do PIB do que na virada do século, pois o crescimento econômico tem diminuído em economias mais eficientes como Japão, Coreia do Sul, EUA e Europa e aumentado em economias menos eficientes no uso dos recursos como China, Índia e Sudeste Asiático. Isto levou a um aumento da pressão ambiental para cada unidade de atividade econômica.

Ou seja, em vez de haver “desacoplamento” (decoupling), a economia internacional está utilizando cada vez mais recursos da natureza per capita e por unidade do PIB. O modelo marrom continua. O sonho da economia verde tem sido, na verdade, um pesadelo, com destruição dos ecossistemas e grande perda da biodiversidade. As emissões de carbono e de metano continuam em ritmo perigoso.

A América Latina tem sido um caso de retrocesso da estrutura produtiva. A região, e especialmente o Brasil, entrou em uma fase de desindustrialização e de reprimarização, com o agigantamento de um sistema neo-extrativista, que tem gerado grandes desastres ambientais, como no caso do rompimento das barragens de rejeitos de mineração que inundou de lama e destruiu o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), no dia 05/11/2015, e provocou o maior desastre ambiental da história do Brasil com a degradação do rio Doce.

O acidente, que é um exemplo do modelo “extrai-produz-descarta”, ocorreu na unidade industrial de Germano, localizada em Minas Gerais, entre as cidades Mariana e Ouro Preto. A mineradora responsável pelas barragens é a Samarco Mineração, uma joint venture da Cia Vale do Rio Doce com a mineradora anglo-australiana BHP Billiton. A produção de minério visava atender principalmente a demanda chinesa. O rio Doce possui 853 km de extensão e o desastre da Samarco/Vale/BHP é um triste sinal que a economia verde está longe de ser uma realidade ou um sonho a ser alcançado no curto prazo.

A economia verde e a chamada Quarta Revolução Industrial são narrativas otimistas que encantam muitas pessoas. Os tecno-otimistas ou “tecnófilos cornucopianos” tecem loas à tecnologia e consideram que todos os problemas sociais e ambientais podem ser resolvidos pela inventividade humana. Considero que a tecnologia sempre foi e continuará sendo muito importante para melhorar o padrão de vida humano e para reduzir os impactos antrópicos da degradação ambiental.

Mas como mostrou Ted Trainer (2007), a tecnologia pode resolver muita coisa, mas não é capaz de sustentar a atual sociedade de consumo. Trainer defende uma vida mais regrada e a simplicidade voluntária, pois não se pode olvidar o fato de que a economia mundial já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. Michael and Joyce Huesemann, no livro: “Techno-Fix: Why Technology Won’t Save Us or the Environment” também alertam que a nossa confiança na tecnologia e na crença de que ela vai nos salvar é “suicida” e que muitas das nossas invenções estão causando mais mal do que bem. As promessas da geoengenharia até agora são um fracasso e se mostram incapazes de resolver os problemas ambientais.

A Pegada Ecológica está 64% acima da biocapacidade da Terra. Quatro das nove fronteiras planetárias já foram ultrapassadas. Os dramas estão atingindo o ponto de não retorno. Utilizar a ideologia da economia verde para defender o crescimento econômico desregrado, neste contexto de agravamento da exploração da natureza e de redução da biodiversidade, parece mais irresponsabilidade do que cegueira.

Referências:

UNEP. Towards a green economy, 2011

UNEP, Global Material Flows And Resource Productivity: Assessment Report for the UNEP International Resource Panel, Jul 2016

TRAINER, Ted. Renewable Energy Cannot Sustain a Consumer Society, Springer 2007

Michael and Joyce Huesemann. Techno-Fix: Why Technology Won’t Save Us or the Environment, 2011 https://www.youtube.com/watch?v=1MsUypIHZhc

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: https://www.ecodebate.com.br

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