terça-feira, 23 de agosto de 2016

Criminosos mudaram a metodologia do desmatamento ilegal da Amazônia


Dados do Imazon mostram que o desmatamento ilegal está sendo feito no período chuvoso. A estratégia é uma tentativa de evitar o monitoramento por satélite

BRUNO CALIXTO
26/07/2016 - 18h51 - Atualizado 26/07/2016 20h17 
 
Na semana passada, o Imazon publicou dados preocupantes sobre o desmatamento da Amazônia. O monitoramento por satélite mostrou um aumento expressivo no desmatamento no primeiro semestre deste ano, especialmente no mês passado.

>> A reinvenção da Amazônia

Os números foram particularmente ruins para o Pará. O estado foi responsável pela metade do desmatamento registrado, o que preocupou as autoridades locais, já que o Pará vinha reduzindo a derrubada nos últimos anos. Justiniano Netto, secretário executivo do Programa Municípios Verdes, do governo do Pará, conversou com ÉPOCA sobre as novas medidas que serão adotadas para tentar reverter a tendência do desmate.

Para Justiniano, os dados do Imazon relevam uma mudança de metodologia de quem desmata ilegalmente a Amazônia. Os desmatadores estão aproveitando o período chuvoso, quando as nuvens impedem a fiscalização por satélite, para derrubar a floresta sem ser detectados.
Floresta queimada na Amazônia (Foto: Erika Berenguer)



ÉPOCA – Como o governo do Pará recebeu os números mostrando a alta expressiva no desmatamento?
Justiniano Netto –
Com preocupação. Até maio, o desmatamento vinha numa redução de 20%, que era a tendência dos últimos anos. A alta de agora é significativa porque ela vem com o acumulado do primeiro semestre. Isso porque o primeiro semestre é o período de chuvas, e as nuvens dificultam o monitoramento por satélite. Quando começa o verão amazônico, em junho e julho, as nuvens se dissipam e os satélites conseguem ver mais. Os dados mostram que não houve mudança de local, o desmatamento ainda está concentrado no oeste do Pará, mas há algumas áreas novas sendo exploradas. Por isso reorientamos a fiscalização em campo.



ÉPOCA – Quais são essas novas áreas sendo abertas?
Justiniano Netto –
No Pará, o desmatamento ocorre sobretudo na parte oeste. São áreas de jurisdição federal, geralmente glebas devolutas, de florestas que ainda não foram destinadas e existe ali uma ocupação de grilagem, especulação fundiária. É necessário uma ação conjunta. A Secretaria de Meio Ambiente está agindo, mas a área é muito grande, é preciso somar esforços com Ibama, forças federais para que não aumente. As áreas novas ainda são no oeste. A gente percebe aumento na Calha Norte, onde não tinha pressão tão grande. Na APA do Xingu, que fica entre Altamira e São Félix do Xingu, há duas operações em campo, uma do Ibama e uma da Secretaria. Em junho, os desmatadores fugiram mais para a ponta da APA. Então as equipes estão sendo acionadas para esses locais.



ÉPOCA – O que fez mudar a tendência de queda no desmatamento? Por que o desmatamento voltou com tanta força agora?
Justiniano Netto –
Nós percebemos que houve uma intensificação da ação no período chuvoso. Normalmente, o desmatamento ocorre no período de seca. Porque quando chove os desmatadores enfrentam um problema de logística. O carro atola, é difícil se locomover. Nos últimos anos, notamos a tendência de desmatar no período chuvoso para escapar do monitoramento dos satélites. Foi uma mudança de metodologia dos criminosos que se intensificou neste ano. Eles pararam de desmatar no verão, porque na seca os satélites dão o alerta e em 48 horas você já coloca uma equipe no local. No inverno amazônico, por causa das nuvens, não. Só conseguimos flagrar o desmatamento com sobrevoo ou denúncia. O Pará é gigante, e sobrevoar a região no período chuvoso não é fácil.



ÉPOCA – A previsão é que a Amazônia enfrente uma seca muito forte nos próximos meses. O clima pode piorar ainda mais a situação?
Justiniano Netto –
O ano passado foi muito seco e com queimadas intensas. Este ano tende a ser seco novamente. Tanto que o Acre está em estado de emergência – lá o verão começa um pouco antes do que no Pará. Os anos em que a seca é muito intensa propiciam o desmatamento. Porque muitas vezes os produtores, de forma oportunista, aproveitam o fogo por causas naturais para desmatar. Muitas vezes o fogo é acidental. Se ele tomar cuidado, deixar a floresta se regenerar, recupera. Mas se ele aproveita a queima para em seguida fazer o desmatamento, aí o acidental se torna criminoso. Por isso esse aumento pode estar associado com a questão climática. Mas ainda não é uma tese 100% confirmada.



ÉPOCA – Como coibir esse desmatamento sem o apoio dos satélites?
Justiniano Netto –
Nossa expectativa é rever a estratégia e intensificar as operações. Equipes que estavam em outras atividades estão sendo acionadas, pelo menos por enquanto, para colocar a maioria de fiscais e do corpo do batalhão ambiental focada no desmatamento. Vamos sentar na semana que vem com o Ministério do Meio Ambiente [a reunião estava marcada para terça-feira (26)]. Então o objetivo é reforçar e ver o resultado disso nos dados de julho. Nossa expectativa é reverter a tendência. Se a tendência for mantida, aí teremos de ver quais outras medidas, mais enérgicas, poderão ser adotadas.


O que vamos fazer também é um encontro com a sociedade civil. Uma roda de conversa. Vamos ouvir outros especialistas, trazer as pessoas de campo. O governo não pode achar que sabe tudo sozinho, então é bom ouvir que novas ideias podem ser aplicadas. Em 2008 e 2009 houve um repique do desmatamento na Amazônia, e naquela ocasião saiu uma série de medidas inovadoras – a lista de municípios embargados, a responsabilização da cadeia produtiva da carne, um trabalho de ordenamento com frigoríficos, o Banco Central soltou uma medida apertando o financiamento. Quando você tem um repique desses, é bom ouvir as pessoas.

Nenhum comentário: