segunda-feira, 6 de junho de 2016

Mundo cheio e decrescimento, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

sexta-feira, 3 de junho de 2016


“É triste pensar que a natureza fala e que o ser humano não a ouve”
Victor Hugo

“Por mim ficaria contente se todos os prados do mundo ficassem em estado selvagem
como consequência das iniciativas dos homens para se redimirem”
Henry Thoreau


A economia depende da ecologia e não o contrário. Mas nos últimos 250 anos o crescimento demoeconômico ultrapassou todos os limites do razoável e não respeitou nada. O ser humanou ocupou e dominou todos os cantos do planeta, seja na terra, na água ou no ar. Não há mais áreas intocadas. Nenhum espaço e nenhuma espécie está livre da egoística presença humana.


Existe um “imperialismo” de homens e mulheres sobre a vida mineral, vegetal e animal do Planeta. O ser humano criou, progressivamente, um processo sistemático de colonização, domesticação, dominação e exploração da natureza livre. A humanidade se apropriou dos recursos naturais e revolveu o solo e o subsolo extraindo minério de ferro, bauxita, cobre, nióbio, manganês, quartzo, ouro, etc. Avançou sobre as florestas e desmatou milhões de hectares de matas virgens e indefesas.


Represou, enterrou e poluiu os rios. Abusou dos fertilizantes e agrotóxicos, ampliando os níveis de fosfatos e nitratos, o que provoca o acúmulo de matéria orgânica em decomposição e a eutrofização dos solos e das águas. Ocupou amplas extensões de terra a serviço da agricultura e da pecuária.


Áreas verdes viraram desertos e, em alguns casos, a diversidade biológica das matas foram convertidas em desertos verdes pela monocultura extrativista. Bilhões de seres ingênuos e indefesos foram escravizados, passando a vida confinados e sofrendo na engorda e na morte, para satisfazer o insaciável apetite humano.


Em busca de energia extrassomática, a economia queimou, em pouco mais de um século, os recursos fósseis que a natureza gastou milhões de anos para produzir e liberou o CO2 que foi acumulado no solo e nos oceanos, gerando acidificação, e na atmosfera, agravando o efeito estufa e o aquecimento global.


Nos próximos 100 anos a temperatura da Terra pode atingir um nível superior ao alcançado nos últimos 5 milhões de anos. Isto vai provocar o aumento do nível dos oceanos ameaçando a vida costeira e a atual integridade dos litorais. O ser humano alterou não somente a química da biosfera, mas influiu nas correntes marítimas e no fluxo dos ventos.


Com isto cresce o perigo dos super-furacões, dos ciclones, das inundações, das secas e dos eventos climáticos extremos. Uma em cada cinco espécies de plantas do mundo está em risco de extinção. Nunca as mudanças físicas da Terra passaram por uma mudança tão rápida e tão negativa para a saúde dos ecossistemas e a vida selvagem. A humanidade ampliou exageradamente as áreas ecúmenas e reduziu perigosamente as áreas anecúmenas.

Herman Daly (2014), no diagrama abaixo, mostra que a economia é um subsistema aberto que está dentro de uma ecosfera que é finita, não cresce e é materialmente fechada (embora receba energia vinda do sol).



Quando a economia cresce, em termos físicos, incorpora matérias e energia da ecosfera para dentro de si própria. Pela 1ª Lei da Termodinâmica, há um desvio do uso natural dos materiais e energia para o uso antrópico. Assim, cria-se um óbvio dilema físico entre o crescimento da economia e a preservação do meio ambiente.



Não dá para o subsistema crescer mais do que o sistema. Para conciliar a economia com a ecologia é preciso caminhar para um Estado Estacionário (como definiu John Stuart Mill, em 1848). Na primeira figura a economia cresce de maneira desregrada e tende a destruir o meio ambiente, o que leva à destruição da própria economia.


Na segunda figura a economia diminui rapidamente e, no limite, pode zerar sua presença na biosfera. Na terceira figura existe um equilíbrio entre a economia e a ecologia, com uma taxa de transferência equilibrada, com o uso de recursos materiais e energia sendo capazes de serem reciclados de forma a diminuir a entropia.


O crescimento das atividades antrópicas nos últimos 250 anos mudou a correlação de forças no Planeta, aumentando a proporção da presença humana (planeta cheio) e diminuindo a proporção das demais espécies e da biocapacidade (planeta vazio). Herman Daly mostra que o crescimento econômico está ficando deseconômico e a natureza degradada já não fornece tantos serviços ecossistêmicos.


A solução atual passa pelo decrescimento das atividades humanas até o ponto que haja um equilíbrio sustentável entre a pegada ecológica e a biocapacidade. Portanto, é preciso reduzir a dimensão do modelo “extrai-produz-descarta”, para que as atividades antrópicas caibam dentro das Fronteiras Planetárias e para estabelecer um “espaço seguro e justo para a humanidade”, respeitando os ecossistemas e o equilíbrio entre as áreas ecúmenas e anecúmenas. Tudo na natureza tem valor de existência intrínseco. O Planeta não pode ser banalizado pela racionalidade instrumental da sociedade anônima que precifica todos os “bens” ecossistêmicos.


O mundo cheio precisa decrescer até atingir o Estado Estacionário, para alcançar convivência respeitosa entre os humanos, as espécies não-humanas e tudo que é inumano, mas tem direito à existência.


Referências:
ALVES, JED. O crescimento das atividades antrópicas e o fluxo metabólico entrópico. Ecodebate, RJ, 10/06/2015
ALVES, JED. Dia Mundial do Meio Ambiente: vergonha de ser humano. Ecodebate, RJ, 04/06/2014
Damian Carrington. One in five of world’s plant species at risk of extinction, The Guardian, 10/05/2016
“Cowspiracy: o segredo da sustentabilidade”, Kip Andersen e Keegan Kuhn, 2014
Home, Yann Arthus-Bertrand, 2009
Herman Daly, Economics for a full world, 2014
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate

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